28 dezembro, 2006

Nasceu um Salvador

No apogeu da crise dos Mísseis de Cuba, um submarino russo no limite da zona de quarentena começou a ser atacado com cargas de sinalização de destroyers americanos.
O submarino estava equipado com torpedos nucleares e o capitão, colocando a hipótese de já estar em curso uma guerra, adoptou a filosofia de "vamos levar alguns connosco".
Por sorte estava presente um comandante de Sub-brigada chamado Vassily Arkhipov, que bloqueou as suas ordens e acalmou o capitão.


Se alguma vez se pôde atribuir o título de Salvador da Humanidade a um Homem só, foi a este.


Bom Ano Novo.

21 dezembro, 2006

Feliz Natal

http://www.youtube.com/watch?v=jJOpDLjpSYI&eurl=

(esqueci-me de avisar que são quase 10 minutos... eu vi tudo...)

19 dezembro, 2006

Timbalalão, cabeça de cão...

Hoje deu-me para fazer balanços.

Sobre este blogue, era para ser uma coisa, e tornou-se outra. A ideia inicial era partir do princípio optimista de que aprendemos algo novo todos os dias, e ir partilhando aqui, todos os dias, o que fosse aprendendo.

A incapacidade de o fazer diz-me alguma coisa sobre a natureza do conhecimento: por um lado, não nos chega quando queremos, e a horas certas, por outro, e isto se calhar é uma coisa minha, nunca vem isolado, ou se chega é fica em lista de espera até encaixar num puzzle mais global. Nessa altura é apenas um dado, só quando encaixa no resto é que é promovido a conhecimento.

É se calhar por isso que tendo a fazer posts tão longos… a mania do contexto.

Acho que acontece com toda a gente ter um modelo da existência gravado no cérebro. Um esquema geral das coisas. Umas ideias sobre nós, sobre os outros, sobre o mundo físico, sobre moral, sobre o universo, sobre a vida, sobre a morte. Há uma fina linha que cose estas coisas todas e as mantém mais ou menos no sítio. Elas articulam-se umas com as outras de acordo com algumas regras, a que podemos chamar leis naturais.

Este esquema é necessariamente fragmentado. Ninguém sabe tudo. Isso hoje é impossível. As opiniões dividem-se sobre quem foi o último homem a saber tudo. Athanasius Kircher (1602-1680) ou Thomas Young, (1773-1829)? Independentemente da resposta certa, podemos afirmar com confiança hoje que eles de facto não sabiam tudo. Quando muito sabiam tudo o que havia para saber, ao seu tempo.

Mas qualquer pessoa com um mínimo de conhecimentos hoje pode intuir que há um ponto em que a física toca a química, em que esta toca a biologia, em que esta toca a sociologia, em que esta toca a economia, em que esta toca a política, em que esta nos toca a todos.

Essa interdependência dos diversos planos foi o que se tornou mais claro para mim. Ao longo dos últimos dois anos e em particular desde que comecei a explorar essas ideias neste blogue, fiquei a perceber melhor porque é que somos mais ricos mas mais infelizes, porque é que a economia clássica é desumana, porque é que o comunismo nunca funcionaria, porque é que o amor é tão complicado, porque é que os homens acham que têm que ser os maiores, e as mulheres preferem ser as mulheres destes, porque é que os europeus e seus derivados dominaram os últimos 200 anos, porque é que isso vai acabar, porque é que precisamos de liberdade mas preferimos não ter que a usar, porque é que a civilização nos torna mais parecidos com os animais, porque é que não estamos feitos para ser felizes, e porque é contra isso que vale a pena lutar.

Ter uma noção sobre estas coisas gera mais perguntas, ou perguntas mais importantes.
Quando descobrir a resposta, este blogue provavelmente acaba. E então poderei ser eleito presidente da humanidade. Ou escrever um livro e ficar rico. Ou não.

Até lá tenho que me contentar com o facto de hoje ter chegado aos 40. Não é um feito menor. Uma parte importante de todas as pessoas que nasceram desde que existem pessoas, não conseguiu tanto. Mas mais por azar do que por incompetência, reconheço.

14 dezembro, 2006

Ainda o Chile

Este artigo é demasiado bom para não ser lido.


Desculpem a insistência, os meus leitores mais habituais, mas nestas alturas em que se fazem balanços, porque morrem ditadores aqui, e se elegem populistas acolá, não faz mal nenhum olhar para a realidade e tentar perceber quem tem razão.

O Chile tem dois significados importantes para a Economia e as reflexões que se fazem sobre o assunto: Por um lado é uma dos países que melhores indices de crescimento apresentam na zona, e por outro foi alvo de um tratamento de choque pelos discípulos do "free market", os famosos Chicago Boys alunos de Friedman, na sequência do golpe que colocou Pinochet no poder. Normalmente, os arautos do liberalismo consideram uma coisa consequência da outra, e com isso por um lado fazem a sua mais berrante bandeira e por outro, de caminho, dizem que só por isso Pinochet fica redimido.

O que o artigo acima descreve é como o Chile deitou fora as ideias dos "Chicago Boys" quando percebeu que ia directo ao abismo, e fez o Estado retomar as rédeas da economia, como lhe compete.

"What makes Chile different from the rest of Latin America," said Manuel Riesco, an economist with the Center for National Studies of Alternative Development in Santiago, "is not that we embraced the free market more than our neighbors. What we realized is that the free market is like a car. There is no doubt that it is the best way to get you from point A to point B. But you have to steer. If you take your hands off the wheel, you will end up face-down in a ditch."

A lista de regulações, intervenções e investimentos públicos que levaram ao sucesso do Chile, (que ainda assim tem custos ambientais questionáveis), faz pensar se ainda faz sentido falar em "free markets". Certamente não no sentido em que os neo-liberais o referem.

13 dezembro, 2006

A vantagem de não sair ao sábado à noite

É lembrar-me de coisas como esta:

http://www.youtube.com/watch?v=nAB-Gmru_mU&eurl=

Mas tenho que admitir que estava um bocado grosso.



Post editado para facilitar alguns leitores.

12 dezembro, 2006

Os populistas

Fui ver à wiki:

Populism is a political philosophy or rhetorical style that holds that the common person's interests are oppressed or hindered by the elite in society, and that the instruments of the state need to be grasped from this self-serving elite and used for the benefit and advancement of the people as a whole. Hence a populist is one who is perceived to craft his or her rhetoric as appeals to the economic, social, and common sense concerns of average people.

Temos portanto por um lado, filosofia política e por outro, retórica. Parece-me a mim que a retórica é má e a política é razoável. Nesta definição, no entanto, quando se define o Populista, já se excluiu a hipótese de ele ter de facto o interesse do cidadão comum como principal meta. Só fica a retórica.

Mas imaginemos um político que quer promover DE FACTO, uma FILOSOFIA POLÍTICA populista. Como é que ele se pode expressar sem ser imediatamente condenado como populista retórico? Como é que se distingue alguém que quer defender os interesses da maioria, de alguém que apenas diz o que a maioria quer ouvir? Cheira-me a Catch 22...

Claro que se ouvirmos os críticos eles dizem "mas a maioria é melhor servida se se seguir esta política assim e assado que por acaso passa por manter os privilégios de quem os tinha e a submissão de quem os não tinha, que havendo mais riqueza em cima ela acaba por chegar lá abaixo". Quem ainda acredita nisto, ponha os olhos nos números da distribuição de riqueza recentemente publicados no Diário de Notícias.

Se olharmos para os países da América do Sul, onde diversos líderes "Populistas" se têm afirmado recentemente, vemos em grande parte países herdeiros de uma ordem social colonial onde tendo como exemplo a Bolívia, 70% da população é Índia ou Mestiça e, quase por inerência, excluída do acesso à riqueza do seu país. Porque os Europeus vieram, conquistaram e, na verdade, ainda não abriram mão disso.

Deu-se nestes países o cruzamento de dois fenómenos, por um lado o avanço da democracia, de forma que não era hábito por aquelas bandas e por outro o avanço do Consenso de Washington, também conhecido como neo-liberalismo. Colidiram nas urnas, os pobres cada vez mais pobres puderam escolher. E escolheram mudar. Quando o povo escolhe nestas circunstâncias, em que tem muito pouco a perder, quando já nem da água da chuva pode ser dono, que é que estavam à espera? E quem é que lhe diz que está errado?

Estes povos ganharam, no mínimo, o direito de cometerem erros. Sem vir um Kissinger corrigi-los.

No fundo isto é simples: as políticas neo-liberais favorecem quem está por cima, mesmo que os seus defensores não o admitam. Quem percebe isso e tenta denunciá-lo, leva o rótulo: pumba! És populista!

Porque qualquer tentativa de contrariar o neo-liberalismo implica tirar poder aos de cima para dar aos de baixo. Mesmo que se seja muito sensato, honesto e ponderado. Aliás, sobretudo se se for.

11 dezembro, 2006

Compilação Póstuma

Pinochet não me diz muito. Era um ditador, como outros. Matava gente que não concordava com ele, como os outros ditadores. Num país distante, como muitos. A primeira vez que ouvi falar de Pinochet foi, provavelmente, ainda com uns 10 anos ouvindo na rádio a promoção de um filme chamado "Chove em Santiago". Na altura, eu nem sabia o que era um PREC.

Mas hoje que o homem está morto há quem diga: "Sim era um ditador, mas fez do Chile o país mais próspero da América do Sul." Como se isso justificasse tudo. E, pior, como se isso fosse verdade.

Ficam aqui algumas citações e opiniões que encontrei pela web. Para memória futura:

  • I don't see why we need to stand by and watch a country go communist due to the irresponsibility of its own people. The issues are much too important for the Chilean voters to be left to decide for themselves." -- Henry Kissinger

  • "Not a nut or bolt shall reach Chile under Allende. Once Allende comes to power we shall do all within our power to condemn Chile and all Chileans to utmost deprivation and poverty." -- Edward M. Korry, U.S. Ambassador to Chile, upon hearing of Allende's election.


  • "Make the economy scream [in Chile to] prevent Allende from coming to power or to unseat him" -- Richard Nixon, orders to CIA director Richard Helms on September 15, 1970


  • "It is firm and continuing policy that Allende be overthrown by a coup. It would be much preferable to have this transpire prior to 24 October but efforts in this regard will continue vigorously beyond this date. We are to continue to generate maximum pressure toward this end, utilizing every appropriate resource. It is imperative that these actions be implemented clandestinely and securely so that the USG and American hand be well hidden..." -- A communique to the CIA base in Chile, issued on October 16, 1970


  • "[Military rule aims] to make Chile not a nation of proletarians, but a nation of entrepreneurs." -- Augusto Pinochet [cite this quote]

  • "We didn't do it. I mean we helped them. [Garbled] created the conditions as great as possible. -- Henry Kissinger conversing with President Nixon about the coup. Telephone call from Kissinger to Nixon


  • E sobre a economia, a propósito já agora de outro defunto recente:

    Eye of the Hurricane: Milton Friedman and the Global South

    10 dezembro, 2006

    A velha Europa

    Quem, como eu, não se esquiva a espreitar de vez em quando a imprensa económica, e os seus comentadores, cruza-se frequentemente com o tema recorrente da Europa envelhecida e esclerosada, presa a modelos sociais falidos e destinada a soçobrar face aos magníficos desafios da globalização, se não se reformar.

    A palavra chave é "reforma". Vamos esquecer por momentos o caso português. Não pretendo por um momento que o nosso Estado não precisa de uma reforma. Embora questione que seja a que lhe querem fazer. Mas isso fica para outras núpcias.

    Normalmente o que se faz é comparar a Europa com os Estados Unidos, dizer que estes estão melhor porque têm uma política económica e social mais "livre" e que a Europa se afunda se não se reformar. A ladaínha dos últimos anos na referida imprensa.

    Quando se tenta afinal tentar perceber quão mal está a Europa, é preciso ir ver os números. Por exemplo, a criação de emprego. Constata-se que a criação de emprego na Europa está a ficar a par com os Estados Unidos. Ou seja, dir-se-á que não é por haver um estado social e algumas medidas sensatas de protecção do emprego que os empregadores não aparecem.

    O PIB Europeu deverá aumentar 2,7% este ano, em grande parte fruto de um aumento de exportações. A procura interna também dá sinais de alguma recuperação, mas ainda ligeira.

    Os ganhos de produtividade na Europa nos últimos anos estiveram a par dos EUA, ao contrário do que foi sendo voz corrente.

    E, depois de um período de crescimento bastante moderado. tudo indica que a Europa começa a dar sinais de aceleração, mantendo a vitalidade da economia Global numa altura em que os EUA começam a claudicar.

    Mas o mais significativo é que a Europa faz isto sem contrair uma dívida de centenas de triliões de dólares como os EUA, sem as mesmas desigualdades gritantes dos EUA, e com melhor saúde pública e protecção do emprego.

    Face a isto interessa perguntar de onde vem essa pressão para abandonar o modelo social europeu. Se não é um obstáculo ao desenvolvimento, se promove bem estar e vitalidade económica, porquê esta obsessão pela reforma?

    Como foi notado por alguém:

    "The only difference is that Europe's wealthy are not making out as amazingly well as America's. And that's also the ONLY reason "reform" (lower wages, more flexibility, fewer rights for workers) is being pushed on us on a systematic basis. The only one.(...)"
    Jerome a Paris

    05 dezembro, 2006

    Tower of Song

    http://www.youtube.com/watch?v=Q2y0KmqmCwM&eurl=



    Mais uma estreia do Designorado, agora no Audiovisual.
    (deixei apeans o link para evitar erros em alguns browsers. Explorer 6, nomeadamente)

    29 novembro, 2006

    Nós, os Moriori

    Recentemente fiquei a conhecer a história dos Moriori. Os Moriori eram - acho que podemos falar deles no passado porque os seus descendentes já se misturaram e diluíram com outra etnias – os habitantes das ilhas Chatham, ali umas centenas de quilómetros a sudeste da Nova Zelândia.

    Os Moriori eram descendentes dos primeiros polinésios que povoaram aquela região. Quando chegaram os colonos encontraram uma ilha muito mais fria e pobre em recursos do que aquelas de onde vieram e portanto tornavam inviável a sua agricultura tropical. Voltaram por isso a uma vida de caçadores recolectores. A população rondava os 2000.

    Inicialmente levavam consigo os costumes próprios das populações agrícolas, fortemente territoriais, e prontas a lutar pelo seu pedaço de terra. A permanentes lutas ameaçavam aniquilar os Moriori. Um dos seus reis, antevendo o futuro, ou a ausência dele, decretou que todos os conflitos fossem decididos em confrontos pessoais, que terminavam ao primeiro derramamento de sangue ou, idealmente, que as disputas fossem resolvidas em conselho, conversando sobre o assunto. Eventualmente os Moriori abandonaram todo e qualquer acto de violência.

    Em 1791, as ilhas Chatham foram descobertas pelo barco do mesmo nome, e passaram a ser base para baleeiros e caçadores de focas. As doenças trazidas pelos ocidentais mataram 10% da população Moriori, e alem disso aqueles desrespeitaram os costume Moriori de preservar as áreas e épocas reprodução dos animais de que dependiam.

    Mas pior, os Maori da Nova Zelândia vieram depois, para conquistar e escravizar. Os pacíficos Moriori foram basicamente exterminados se oferecer resistência. Os poucos sobreviventes relataram a perplexidade perante tal violência, e como se tinham reunido para discutir e propor alguma forma se acordo com os invasores, que não quiseram saber. Os Moriori agiram segundo os seus costumes, e os Maori também.

    Esta historia trágica ilustra por um lado como muitas das diferenças culturais estão directamente ligadas à ecologia humana. Diversas condições geográficas e climáticas induzem costumes diversos que permitem a sobrevivência das populações. Uma religião originária no árido Médio Oriente tem certamente por trás uma experiência humana bem diferente da originada numa planície permanente verde e fértil.

    Por outro lado, e foi isso que me fez reflectir sobre ela, a história dos Moriori lembra-nos o que é preciso para fazer num mundo superpovoado, em que os recursos são limitados. Confrontados com a extinção, adoptaram regras de arbitragem pacífica de conflitos, respeito escrupuloso pelo ambiente e gestão de recursos naturais e ainda controlo do crescimento populacional, no caso pela castração de crianças do sexo masculino, mas para isso temos outras soluções.

    Com isto, foram dois posts seguidos a falar de castração... Em minha defesa tenho a dizer que escrevi o post anterior já sob influencia desta história.

    27 novembro, 2006

    Dois por cento (parte II)

    Como avancei no post anterior, fiquei a saber que há uma disciplina chamada Neuroeconomia, um ramo da Economia Comportamental. Estas disciplinas, de uma forma geral, tentam perceber o que as pessoas estão a pensar, e sentir, quando tomam parte em actos "económicos" sejam transacções comerciais, apostas, doações... etc.

    No caso da Neuroeconomia tenta-se perceber o que se passa no cérebro nessas circunstâncias através de Imagiologia cerebral.
    Uma das conclusões a que se chegou, foi que quando se estabelecem relações de interdependência e confiança entre parceiros económicos — por exemplo um indivíduo empresta dinheiro a outro para investir — o cérebro segrega uma substância chamada Ocitacina, que está associada às relações entre progenitores e crias, ou no caso humano também à ligação entre pares.

    Ou seja, o mesmo mecanismo, ou pelo menos parte dele, que acciona e mantém ligações de longa duração, manifesta-se nas transacções económicas. Económico aqui é usado de forma abrangente, inclui trocas e partilhas de propriedade, alimento, abrigo etc. Esta ligação garante de alguma forma um princípio de reciprocidade. Em geral, as pessoas sentem-se obrigadas a retribuir, a recompensar e até a dar simplesmente, sem nenhuma outra recompensa que o bem que isso as faz sentir.

    Maiores níveis da hormona, estão associados a maiores níveis de confiança no outro.

    Acontece que 2% das pessoas testadas no Laboratório de Neuroeconomia do professor Paul J. Zak são puros não-cooperadores. Não manifestam a menor intenção de reciprocar, nem se preocupam com as consequências para os outros. No dito laboratório estes indivíduos foram intitulados “bastards” que traduzi livremente por filhos da puta (FDP), já que é isso que eles são. Para efeitos práticos, sociopatas.

    Estes individuos manifestam deficiencias nos mecanismos de produção e regulação da Ocitacina.

    2% é o suficiente para desestabilizar um sistema. Um agente bem intencionado, uma pessoa normal, depois de experimentar a interacção com um FDP, vai abordar de forma mais cautelosa a próxima interacção. Poderá inclusive optar por racionalmente ter uma atitude FDP, mesmo estando sujeito às penalidades emocionais que lhe estão associadas em pessoas normais. O que dá o efeito de os actos FDP serem mais generalizados que os indivíduos FDP.
    É de novo o dilema do prisioneiro a funcionar.

    Como lidar com estes 2% de FDP? Para começar podíamos deixar de os apontar como exemplo de sucesso e modelos para os nossos filhos.

    Se isso não resultasse, podiam ser castrados. Mas era mais chato.

    24 novembro, 2006

    Dois por cento.

    Hoje fiquei a saber que 2% é a percentagem de filhos da puta numa população média. Vou dedicar os próximos dias a tentar perceber porque é que eles parecem ser muitos mais. Depois explico do que estou a falar.

    This day in History

    O Designorado não podia ignorar esta data.

    Em 1859 foi publicada a primeira edição de
    "The Origin of Species by Means of Natural Selection, or The Preservation of Favored Races in the Struggle for Life."

    Uma edição de 1250 exemplares que se esgotou no primeiro dia. Ou tinham uma grande máquina de marketing por trás ou, vai-se a ver, o livro era mesmo interessante. Ou então foi comprado por opositores alertados que tentaram açambarcar todos os volumes...

    19 novembro, 2006

    Com todo o respeito, discordo.

    Ainda há pouco tempo, alguém começava uma argumentação para contrariar uma opinião minha desta forma tão clássica: "Respeito todas as opiniões, mas..."
    É uma magnífica treta.

    Porque é que alguém há-de respeitar todas as opiniões? Sobretudo quando claramente é contra elas? "Há pessoas que são da opinião que as mulheres servem para levar pancada. Estão no seu direito, mas discordo". Faz algum sentido?

    Suponho que é em nome da tolerância, do diálogo frutuoso. Afinal, a maior parte das pessoas e a maior parte das opiniões não são tão extremas como o exemplo acima. Não se ganha nada em hostilizar, ou em chamar o outro de energúmeno, só porque acha que clementinas são melhores que marroquinas... ou só porque acha que uma economia "lassez faire" é melhor que uma outra mais controlada. Ou será que ganha?

    Acho que é preferível não respeitar opinião nenhuma. A começar pelas nossas.
    Se eu descobrir que estava errado, que respeito vou ter por quem respeitou o meu erro?
    A não ser que na verdade não respeitem, e seja só uma questão de etiqueta.
    Nesse caso, poupem-me.

    17 novembro, 2006

    Cara nova...

    Só a ver como é. Entretanto, é mesmo aqui. Isto agora tem outras potencialidades, por isso vamos lá a ver como fica...
    ..... para já foram-se os links....

    já lá estão alguns mas não todos, certamente...

    16 novembro, 2006

    Donos da Chuva

    Aqui há uns tempos estava a ter uma conversa da treta com um amigo, e começámos a falar dos direitos de propriedade. Sem nenhum de nós ser jurista, considerámos na altura o absurdo de alguém reclamar propriedade por um pedaço de terra.
    Afinal, aquela terra, aquele lugar, está ali há milhões de anos. A que título alguém clama como propriedade sua algo cuja existência tanto o transcende?

    Claro que esta questão pode ser traçada até ao território de caça dos animais. Também eles os defendem como seus, com a própria vida, porque deles depende a sua vida. Ainda assim, se excluirmos o uso da força, pouco parece legitimar a posse de recursos naturais.

    Os exemplos das aldeias comunitárias que partilham pastos, terrenos de cultivos e água, de forma sustentável, não são curiosidades etnográficas, eram a regra na idade média, tanto na Europa do norte como do sul.
    Claro que vinha um senhor feudal, partia umas cabeças e reclamava a terra como “sua”. Mas só era “sua” até outro senhor feudal vir e por sua vez partir a cabeça do primeiro.
    Essa posse reclamada da terra, apenas servia para carregar quem de facto pertencia àquela terra com o peso de um imposto, lucro, muito para além do que a subsistência exige, e afrontando a sustentabilidade. Além de pagar pelo seu bem estar, o trabalho dos aldeões também tinha que custear os palácios, os exércitos, as extravagâncias e todo o resto.

    Não creio que seja abusivo extrapolar da aldeia medieval para a nossa aldeia global.
    Há quem defenda que a única forma de preservar recursos naturais é torná-lo posse de alguém que lhes atribui um valor e deles tira rendimento. O mercado é a solução para tudo.

    Talvez por isso, lá por 1996, o Banco Mundial condicionou o apoio financeiro ao abastecimento de água da municipalidade de Cochabamba, a terceira cidade da Bolívia, à sua privatização. Relutantemente, mas face à impossibilidade de conseguir outros recursos, o abastecimento de água por 40 anos foi atribuído por 20 000 dólares à Bechtel, uma multinacional com base na Califórnia. Quase de um momento para o outro, famílias que ganhavam 100 dólares por mês viram-se confrontadas com facturas de água de 30. Isto levou o povo para a rua, seguido da policia, do gás lacrimogéneo, e finalmente de 6 mortos e perto de 200 feridos, nas semanas seguintes. Eventualmente, o governo recuou, e a multinacional também.

    Depois, eventualmente, o ditador apanhou cancro, e houve eleições e ganhou Evo Morales. Mas isso é outra história.

    Quanto a Cochabamba, para se ter uma ideia do que estava em causa, o contrato de 40 anos previa lucros de 16%/ano, e proibia os cidadãos de construir tanques e reservatórios para acumular água da chuva.

    13 novembro, 2006

    Férias na idade média

    É onde vou estar. Quando conseguir que Portugal conquiste todo o mundo conhecido cerca de 1400, dou notícias.

    08 novembro, 2006

    A liberdade

    Aqui há uns tempos, num blogue muito frequentado, foi-me colocada a seguinte questão: "Mas afinal é a favor de uma Sociedade com mais socialismo e menos liberdade?"

    Uma das maiores falácias dos chamados liberais, ou neo-liberais, conforme quem os chame, é a forma como se apropriam da Liberdade. A Liberdade é para eles um valor absoluto e como tal é inviolável. O que eles não dizem sempre é que quando falam de liberdade apenas estão a pensar em liberdade individual.

    Qualquer pessoa sabe que um individuo infinitamente livre ou é Deus ou é um sociopata. Isso desde logo inviabiliza a Liberdade Individual como valor absoluto.

    Assim, quando pensei na resposta a dar àquela questão, a primeira reacção foi rejeitar a Liberdade como valor maior, trocando-o por outro como por exemplo a Felicidade ou a Dignidade (que não existem sem doses mínimas de liberdade, mas que se não forem metas, de que serve a mesma? A propósito, li naquele blogue que o liberalismo defendia a liberdade dos mercados mesmo que isso significasse a miséria para todos...vá-se lá perceber o sentido disto).

    Mas não quis abdicar da Liberdade. As pessoas de bem não devem abdicar dela. Pelo contrário, acredito que valorizo mais a Liberdade que os liberais. Tanto que acredito que numa sociedade quanto mais Liberdade houver, melhor. Acredito que uma sociedade é melhor quando a liberdade somada dos seus cidadãos é maior.

    E é por isso que acredito na redistribuição de riqueza. Se a um multimilionário tirarmos um milhão para distribuir por uns milhares de destituídos, a liberdade do primeiro fica virtualmente intacta, enquanto a liberdade dos que nada tinham foi exponencialmente multiplicada. No total aumentámos a liberdade de todos.

    Além disso é bem provável que o multimilionário fique mais feliz.

    07 novembro, 2006

    Desculpas de mau pagador

    Vou quebrar o que é o tom dominante deste blog e introduzir uma nota pessoal, a propósito de algo que não ocorreu este fim-de-semana que passou. Uma das razões porque o faço é porque tem tudo que ver com o post anterior, mesmo que não seja logo óbvio.

    Este fim-de-semana, não fui à festa do meu amigo João Vasco. Ele cumpriu 40 anos, feito em que o acompanharei brevemente, e festejou condignamente. E eu, apesar de convidado e até de praticamente confirmar a minha presença, acabei por não ir.

    Porque achei que não ia valer a pena. Porque iria estar a fazer horas até às onze, depois de jantar sozinho, porque a distância para o local da festa é daquelas que são suficientemente curtas para irritar um taxista, mas longas o suficiente para não apetecer fazer a pé num dia de chuva, porque já sei que nestas festas acabo por me apagar no meio do ruído e do fumo e estar lá ou não é a mesma coisa…. Etc, etc, etc,...

    Passar um bocado a ouvir boa música, potencialmente no meio de gente interessante e eventualmente cruzar-me com a futura mãe dos meus filhos, tudo coisas que uma perspectiva optimista poderia contrapor, não ocorreram ou não conseguiram ter peso.

    O livro que ando a ler, “Stumbling on Happiness” , curiosamente, tratou de me explicar logo a seguir exactamente o que aconteceu. Quando imaginamos como nos vamos sentir em determinada situação futura, o nosso cérebro é incapaz de se libertar daquilo que é a sua prioridade, a realidade presente.

    Isso também funciona para trás, quando usamos a memória para reconstituir as nossas emoções numa situação passada, nessa altura, preenchemos os buracos da memória com pedacinhos de presente. Mas, quando o assunto é o futuro, tudo é um buraco.

    Por isso, naturalmente, depois de um dia cinzento em que até me sentia mais só do que o costume, em que não tinha visto nenhum filme que me estimulasse, ou lido qualquer coisa que me pusesse bem disposto, ou falado com alguém que me alegrasse, apenas pude antecipar mais solidão e vazio.

    E a prova mesquinha de que isto é capaz de ter sido mesmo assim, é que depois de completar umas voltas bem sucedidas num jogo de corridas de carros manhoso com que me tenho entretido, por momentos até me pareceu boa ideia, e encarei a possibilidade de ir à festa com alegria e optimismo. Mas foi passageiro...

    Quanto ao que isto tem que ver com o post anterior, espero que se tenha tornado óbvio. Quando se pergunta a alguém o que sente em relação ao futuro… a resposta é muito provavelmente o que sente sobre o presente.

    06 novembro, 2006

    A Bolsa explicada às crianças

    Eu, que não percebo nada de economia, apesar do esforço que tenho feito, e ainda menos de finança, fico sempre um pouco confuso com as notícias regulares sobre o assunto.

    Todos os dias, antes de sair de casa, o mais certo é levar com uma ligação da SIC notícias à Reuters, onde um presumível Jornalista e Entendido no assunto dos dá conta das flutuações dos mercados, e dos factos mais relevantes que os influenciam, ou assim ele diz.

    Um dos índices que volta e meia são referidos é o “índice de confiança dos consumidores”. Todos os trimestres, ao que parece há umas pessoas que vão perguntar aos consumidores se se sentem confiantes. Nunca percebi muito bem que confiança era essa, presumo que seja qualquer coisa do género “acha que vai gastar muito dinheiro no próximo trimestre? Estou confiante que sim.” ou “Não”.

    Ainda há uns tempos me lembro de ouvir no mesmo bloco de notícias que o índice dos consumidores andava em baixo, e que a companhia “Deutch qualquer coisa” iria despedir 30.000 cabeças, porque o índice dos consumidores estava em baixo.
    Bem... se 30 000 consumidores se viram sem emprego imaginem o que isso fez aos níveis de confiança do trimestre seguinte.

    Aliás, o simples anúncio de uma baixa de confiança dos consumidores parece ser suficiente para baixar a confiança de toda a gente.

    E depois há aquela coisa dos mercados em alta e baixa. De uma forma geral, do que dá para perceber, um leigo deve assumir que uma bolsa em alta é bom, e que em baixa é pior. Por exemplo: ainda recentemente o famoso Dow Jones voltou aos níveis record de 2000. “Bravo!!! Ora Retoma lá! É do camandro!..”

    Mas fazendo as contas e descontando inflações, e tal, chega-se à conclusão de que ainda está longe disso. Mas mais importante, num clima de alta dos combustíveis, estagnação da produtividade e geral arrefecimento dos mercados, uma subida de cotações significa simplesmente que os accionistas vão receber lucros tirados directamente do valor dos salários. E isso não deve ser nada bom para a confiança dos consumidores.

    02 novembro, 2006

    O segredo para uma vida longa

    Dor, sofrimento e tédio.

    Já que quando tudo corre bem, o tempo voa.

    29 outubro, 2006

    Ao menino e ao borracho

    O que faz com que a percepção do sobrenatural seja tão generalizada na espécie humana? Porque é que a resposta: "foi Deus" satisfaz tanta gente?

    A resposta à primeira pergunta parece estar em algumas peculiaridades da mente humana. Uma das coisas para que os humanos estão particularmente vocacionados, por comparação com outras espécies, é em perceber intenções. Mas quando isso se cruza com a nossa fraca intuição estatística, tendemos a considerar que há algo por trás de acontecimentos que são apenas geridos pelo acaso.

    Outra particularidade da mente humana prende-se com um mecanismo de que já falei mais abaixo, aquilo que Dan Gilbert chama o sistema imunitário psicológico. O nosso cérebro tende a preferir a visão mais benévola e compensadora do que nos acontece. Por isso à medida que a vida nos leva pelos seus caminhos incertos, somos supreendidos com resultados positivos que não antecipávamos. Um facto surpreendente carece de explicação, e portanto o impulso é tentar perceber o que está por trás dele. Ou quem.

    E quando alguém responde "Foi Deus", isso parece chegar para muita gente. Mesmo que na verdade não seja uma explicação. Mas o curioso é que para a maior parte das pessoas, na maior parte das circunstâncias, uma explicação já é suficientemente satisfatória se tiver forma de explicação, mesmo que não tenha o conteúdo.

    O seu a seu dono, este post é um curtíssimo resumo de um artigo de Dan Gilbert "The Vagaries of Religious Experience".

    Ele termina o seu artigo reafirmando que a ciência apenas pode refutar as representações mais folclóricas de Deus, e não a possibilidade da existência de uma força, entidade ou ideia superior que mereça tal nome. Mas o que a Ciência pode afirmar é que "o Universo é complexo, que as coisas fequentemente correm melhor do que esperávamos e que nenhum destes factos precisa de uma explicação externa a nós mesmos."

    É um rapaz tolerante, o Daniel Gilbert.

    24 outubro, 2006

    Ideias perigosas

    Ocorreu-me uma ideia perigosa acerca de ideias perigosas a propósito das reacções de indignação ao projecto de lei que visa penalizar em França a negação do genocídio Arménio pelos Turcos. À semelhança do que alguns países fazem acerca do holocausto Judaico.

    A minha primeira reacção também foi, no mínimo, de estranheza. O princípio da liberdade de expressão que – quase – todos temos como bom é pouco compatível com este tipo de iniciativas.

    Mas depois comecei a pensar. Os Memes de novo. Um dos corolários da Memética, ou pelo menos dos seus proponentes mais empenhados é que o mecanismo de selecção natural e evolução é um algoritmo independente do substrato. Ou seja, que a mesma relação que existe entre genes, se estende a qualquer universo de entidades com características idênticas.

    Nesta visão do mundo os seres humanos são especiais na medida em que são veículos dos replicadores genes, e dos poderosos novos replicadores Memes. Estamos entalados, por assim dizer.

    Os genes trouxeram-nos até aqui, mas são os memes que vão determinar para onde vamos. Durante a maior parte da sua existência a espécie humana não teve a capacidade de condicionar os seus genes. Isso é muito recente na nossa história evolutiva. Mas pela mesma razão que procuramos terapias genéticas para erradicar certos tipos de doença, não fará sentido encontrar terapias meméticas para erradicar certo tipo de ideias?

    Se temos hoje as ferramentas para desafiar a selecção natural e em muitos casos não é conflituoso fazê-lo, porquê deixar que ela actue livremente num plano que afecta muitos mais de nós?

    Porque se à partida todas as ideias deviam ser livres, nada nos diz que no fim são as melhores ideias que sobrevivem.

    Serão as melhores no sentido evolucionista: são as melhor equipadas para sobreviver, porque são as mais intimamente ligadas aos seus portadores, porque são as melhores a erradicar as ideias que competem pelo mesmo nicho, porque se associam a outras que as ajudam melhor a sobreviver etc etc. Mas esta performance é moralmente neutra. Uma “Boa ideia” no sentido evolucionista pode causar muitas mortes, sofrimento, injustiça e todo o género de atrocidades. Basta olhar para a história das religiões e da política.

    Aplicar isto ao exemplo com que comecei, não parece muito relevante, mas achar que as ideias podem andar à solta e que não temos o direito de tentar extinguir a que são más para nós não me parece que leve a grande futuro. Claro que se coloca sempre a questão: e quem é que define o que é uma ideia aceitável? O único critério que me ocorre, assim de repente, é olhar para o cadastro das ideias e contar os mortos, mas prometo pensar em outros.

    18 outubro, 2006

    9 minutos da vossa atenção

    Não é por mim....

    Não sei do que gosto de mais, se da história e da vontade de a contar, se do ritmo hipnótico da música ou se do violino deambulante...

    11 outubro, 2006

    Nós ou as cianobactérias.

    Muito daquilo sobre que tenho escrito são coisas que se descobriram, investigaram e desenvolveram tendo por base fundadora o trabalho de Darwin.

    A teoria da evolução trouxe uma clarividência e uma ordem à compreensão da vida que eram impossíveis de estabelecer antes dela. Normalmente os poucos, mas muito vocais, que se lhe opõem pouco mais fazem do que demonstrar a sua ignorância sobre o assunto em particular e sobre como se faz ciência em geral. A causa verdadeira é a defesa irracional e intransigente de uma ideia religiosa, que acaba mais prejudicada porque ridicularizada.

    Mas mais mal ao bom nome de Darwin, na minha opinião, fazem aqueles que dizendo abraçar essas ideias, delas abusam.

    Ainda recentemente li num outro blogue alguém colocar a seguinte questão, mais coisa menos coisa: "Não percebo porque é que aqueles que se opõem ao Criacionismo são os primeiros a levantar a voz contra o Darwinismo social."

    Eu não sou um perito em filosofia politica, ou em qualquer outra coisa, mas esta afirmação encerra tantos equívocos que se me arrepiou logo a espinha toda.

    Primeiro confunde desde logo uma posição estritamente ditada pelo entendimento e respeito pelo método científico com qualquer outra ditada por uma convicção ideológica.

    Depois, talvez não claro na afirmação em si, mas fácil de ver no contexto da discussão o pressuposto de que Criacionismo e Darwinismo Social estão "à direita" e Evolução e Oposição ao darwinismo social (ou às nuances neo-liberais com tal carácter) estão à esquerda.
    Uma muito pouco saudável mistura de alhos e bugalhos, teologia, política e ciência...

    Outro equívoco é a chamada falácia Naturalista... A assumpção de que Natural é sinónimo de Bom. Que de resto é, creio eu, um dos fundamentos e erros básicos do Darwinismo Social enquanto doutrina. Se a natureza é assim, é assim que devemos ser.

    E mesmo esta visão, errada em si mesma, encerra um outro equívoco sobre a Evolução, muito comum no século XIX e em quem tem um conhecimento demasiado superficial da ciência: a de que a Evolução é linear, direccionada, que o que vem depois é sempre melhor do que o que vem antes.

    A selecção natural escolhe de facto os mais aptos a reproduzir-se e numa dada população são eles que dominam e prosperam (eles os genes). Mas essa aptidão é sempre Contextual. É função directa do meio ambiente. Hoje sobrevivem os que resistem ao calor, muda o clima e passam a sobreviver os que resistem ao frio, e assim por aí adiante.

    Nesse sentido, seremos mais complexos, mas não somos mais "Evoluídos" do que uma cianobactéria que é basicamente igual há 4000 milhões de anos. Porque estamos ambos aqui, nós e ela. E ela pelo menos já deu provas de muito mais endurance...

    O que a teoria da evolução aplicada às sociedades e culturas nos diz, é que as ideias ao agir como os novos replicadores egoistas- os famosos Memes-, podem determinar resultados biológicos que favorecem a sua sobrevivência mas não necessariamente a de quem as promove. E isso, sim, explica elegantemente a sobrevivência de muitas formas de ignorância.

    08 outubro, 2006

    A traça e a luz

    Com os devidos cumprimentos ao Misantropo Enjaulado que recentemente teve um tópico com o mesmo título, ou semelhante, aqui ficam algumas ideias para acabar de vez com a felicidade.
    Com o tópico. Neste blogue. Pelo menos, de vez por uns tempos.

    Por aqui abaixo já percorri algumas das causas apontadas para a incongruente escalada de depressões, insatisfações e desesperos destas sociedades em que vivemos. Onde temos cada vez mais e menos nos parece satisfazer. Algumas são sociológicas outras psicológicas, condicionadas pelas primeiras.

    Agora vou esplanar as pistas apontadas pelo psicólogo David Buss. É um psicólogo evolucionista que se especializou nas relações entre os sexos.

    A psicologia evolucionista, para quem não estiver a par, é uma disciplina que procura identificar as características da mente humana que são adaptações evolutivas. Traços que ficaram por sofrer selecção positiva em determinada fase da história evolutiva da Humanidade, 99% da qual foi passada em sociedades de caçadores-recolectores.
    Um exemplo simples: os traços que achamos atraentes estão correlacionados com, nos homens, status, poder e dominância, e nas mulheres com fertilidade, juventude e saúde. Isto são generalizações, é certo, mas confirmadas pela experimentação.

    O primeiro factor que ele aponta é então a substancial diferença entre o ambiente primitivo e o actual.

    Numa sociedade tribal de 50 a 200 individuos a escolha de parceiros estava limitada uma ou duas dezenas. Na sociedade actual os potenciais parceiros são muitos mais e ainda os comparamos a todos com o bombardeamento mediático de exemplares perfeitos e altamente desejáveis.
    Na sociedade tribal vivia-se em nucleos familiares extensos, actualmente vivemos em familias reduzidas, frequentemente isoladas entre outras familias anónimas.
    Antes, podiamos contar com os nossos parentes para conseguir justiça e reparações por danos, agora temos que confiar em estruturas externas e frequentemente complicadas.
    Ou seja estamos equipados para actuar com segurança numa certa escala, que a complexidade da vida moderna rebentou completamente.

    Outro factor, são as adaptações que causam stress. São desenhadas para isso. Sentimos emoções negativas quando o nosso papel sexual é posto em causa, quando a nossa posição social é ameaçada, quando somos enganados por amigos etc etc. Há uma série de emoções que existem e sentimos com fortemente negativas porque foram determinantes na selecção dos nossos antepassados. Os que não as sentiram, ou que não as sentiram tão fortemente, não deixaram descendência.

    O terceiro obstáculo à felicidade é o nosso desenho para a competição. A evolução actua sobre as diferenças, por isso o ganho de uns é a perda de outros. Os alemães têm a expressão "Schadenfreude" que designa mais ou menos o prazer que se tem na infelicidade dos outros. Será por isso que não resistimos a rir quando alguém cai no ridiculo, nem que seja na proverbial casca de banana? O maior duplo padrão não é o que existe entre homens e mulheres mas sim o que se cria entre nós e o resto da humanidade.

    Outros factores por ele identificados foram já ilustrados no post sobre Felicidade Sintética. A nossa capacidade de nos adaptarmos a uma nova situação faz reduzir a longo prazo os efeitos do que pensávamos ser uma grande coisa. Um outro relacionado está na nossa avaliação afectiva de ganhos e perdas. Ficamos mais tristes por perder do que ficamos contentes por ganhar. Perder 100 é muito mais penoso do que ganhar 100 é agradável.

    Acho que a pedra filosofal desta coisa toda está em usar a inteligência.
    Da mesma forma que a traça foi seleccionada para ser atraida pela luz, presumivelmente a da lua, e acaba morta contra uma lampada, também muitos dos nossos traços ancestrais nos causam mais mal que bem se deixarmos.

    Temos sobre a traça a vantagem de conseguir, munidos da informação suficiente, olhar para as nossa emoções e impulsos e perceber de onde vêm e onde nos levam.

    Podemos restabelecer um pouco do ambiente primitivo dando mais valor à familia e amigos e estabelecendo mais profundos laços sociais.
    Podemos reduzir o impacto da competição, apostando na cooperação. Isto faz-se, por exemplo, não colocando um prazo nas relações. Enquanto o futuro percebido for de interdependencia, a melhor estratégia é a de cooperação.
    Podemos procurar deliberadamente as coisas que proporcionam felicidade, afinal também elas seleccionadas pela evolução: ajudar os parentes e amigos, viver saudavelmente, sentir intimidade, etc.

    Afinal, porque há-de a nossa felicidade ser determinada pelo que fazia um Cro-Magnon ter mais filhos?

    Neste ponto pelo menos há que dar ouvidos à personagem de Katherine Hepburn em "A Raínha Africana":
    "Nature, Mr. Allnut, is what we are put in this world to rise above."

    03 outubro, 2006

    Dogma

    “O dogma oficial das Sociedade Industriais Ocidentais é algo como isto: Se pretendemos maximizar o bem estar dos nossos cidadão, a forma de o fazer é maximizar a sua Liberdade Individual. A razão para isso é que Liberdade é em si Boa, Valiosa. Essencial à condição humana, e se as pessoas tiverem liberdade cada um de nós pode actuar por si mesmo, fazendo as coisas que maximizam o nosso bem estar, e ninguém decide por nós. A forma de Maximizar a Liberdade é Maximizar a capacidade de Escolha.
    Quanto mais escolha tivermos, mais liberdade temos, e quanto mais liberdade temos, maior o nosso bem estar.”

    É assim que Barry Schwartz, professor de Sociologia e autor de “The Paradox of Choice” começa uma palestra acontecida o ano passado em Oxford.

    Esta ideia está tão enraizada em sociedades e algumas ideologias vigentes que poucos são os que se atrevem a contrariá-la. Mas como acontece frequentemente nestas coisas, os factos são do contra.

    No post anterior já tinha abordade a nossa inabilidade em prever certas condições futuras. A nossa avaliação da Liberdade de escolha parece ser um desses exemplos, e certamente não o menos dramático.

    O excesso de escolha provoca, antes de mais nada, uma espécie de paralisia. Um exemplo simples e clássico: uma demonstradora num supermercado exibe 25 variedades de compota, e oferece um vale de compras. Outra exibe 6 e também oferece o mesmo vale de compras. O segundo exemplo origina 10 vezes mais compras, em média. É muito mais fácil escolher.

    Mas feita a escolha, despoletam-se diversos outros mecanismos.
    Primeiro, uma desmesurada subida das expectativas. Se vamos escolher uma coisa entre 50, o mínimo que esperamos é a perfeição. O potencial de desilusão é exponencial.

    Segundo, pagamos aquilo que os economistas chamam “Custo de Oportunidade”. As potenciais boas coisas que preterimos tornam-se espinhos e grãos de areia na satisfação da nossa escolha. Quanto mais oportunidades de escolha, maior o custo de oportunidade.

    Finalmente, quando a escolha nos desilude, culpamo-nos a nós mesmos. Com tanto por onde escolher, só pode ter sido culpa nossa.

    Isto é verdade para objectos, coisas que se compram e que proliferam nas nossas sociedades de consumo, mas também é verdade nas nossas vidas pessoais.

    Schwartz dá o exemplo dos seus alunos de pós graduação que vivem atormentados com as possibilidades que se lhes deparam: casar, ter uma carreira, ter filhos. Que devem fazer? Ter uma carreira e depois filhos, casar e ter uma carreira, e os filhos vêm depois? Não casar? Ele lembra o tempo em que se casava o mais cedo possível, tinha-se filhos o mais cedo possível, e a única escolha que se tinha que fazer era “com quem?”

    A liberdade é essencial. Uma pessoa sem escolhas, não pode ser pessoa, não pode realizar o seu potencial humano. Mas ter a Liberdade como valor absoluto não só gera conflitos e paradoxos, quando as liberdade individuais infinitas colidem umas com as outras, como contraria o fim ultimo da liberdade que é a felicidade do ser humano.

    Este é um problema peculiar das nossas sociedades de afluência material, e um racional que permite defender a redistribuição da riqueza não com base numa noção de justiça que é sempre julgada como ideológica, mas com base numa noção de eficácia. Se a busca de felicidade é o nosso mote, sejamos coerentes.

    28 setembro, 2006

    Felicidade Sintética

    Este foi um conceito novo que aprendi recentemente com o psicólogo Dan Gilbert. Ele distingue felicidade natural de felicidade sintética.
    Apesar de instantaneamente torcermos o nariz à ideia, vale a pena perceber do que ele está a falar: Felicidade Natural é o que sentimos quando obtemos o que queremos, Felicidade Sintética é o que fazemos quando obtemos o que não queremos.
    E o que fazemos nós? Adaptamo-nos, reconstruímos as nossas escalas de valores.


    A isto os psicólogos chamam "impact bias" (ainda hei-de aprender a traduzir "bias" como deve ser, mas até lá paciência). As pessoas são muito más a prever as consequências dos diversos futuros possíveis. Sejam motivados pelas suas escolhas, seja eles fruto de circunstancias que não controlam.

    Quantas vezes, depois de uma experiência de alguma forma traumática, que não esperávamos ou temíamos, olhando para trás dizemos: Foi a melhor coisa que me podia ter acontecido: ser despedido, abandonado pela pessoa amada, ficado em vez de ido... etc etc.

    Alguns exemplos públicos roçam o extraordinário.
    Um ex-condenado sai da prisão onde foi metido por um crime que não cometeu durante 37 anos: "Não lamento nada, foi uma experiência gloriosa."

    Ou o antecessor de Ringo Starr: "Hoje sou muito mais feliz do que se tivesse ficado nos Beatles".

    Ao fim de um ano, a mudança na felicidade de um vencedor da lotaria ou de uma vitima de acidente que fica paraplégica é idêntica, perto de nula. Custa a acreditar, mas é assim.

    È uma espécie de sistema imunitário psicológico.

    Claro que isto não significa que as coisas são iguais, que é igual partir uma perna ou ficar apaixonado. E no fim vai dar tudo ao mesmo.

    Gilbert remete-nos para Adam Smith aqui traduzido por mim, com as devidas desculpas:

    “A grande fonte de tristeza e desordem na vida humana parece estar em sobreavaliar a diferença entre uma situação permanente e outra. Algumas dessas situações sem dúvida merecem ser preferidas a outras, mas nenhuma delas merece ser procurada com tal paixão e ardor que nos leve a violar quer as regras da prudência, quer da justiça; ou que corrompa a futura tranquilidade das nossas mentes, quer por vergonha da memoria da nossa loucura, quer pelo remorso da nossa injustiça.”

    15 setembro, 2006

    Alarme

    Esta não estava eu à espera, confesso.
    E não é que de repente se começa a desenhar um debate Criacionismo/Evolução em Portugal? Ainda por cima num blogue que é dos mais lidos, ao que parece. E em jornais de grande circulação? Está tudo parvo?

    Às armas!

    14 setembro, 2006

    E pensava eu que era optimista.

    Depois de ouvir uma palestra do físico David Deutsch decidi rasgar o meu cartão de optimista militante. Sou um mero amador.

    Antes de mais um pouco de contexto. Falava-se da capacidade rara que se desenvolveu neste cantinho do universo de conhecer a existência. A Terra, connosco nela, apresenta condições raras de concentração de quase tudo o que há no universo.

    Não estamos num lugar típico do universo. Como Deutsch sublinha, um lugar tipico no Universo, é quase completamente desprovido de luz, 3 graus acima do zero absoluto, e com um vácuo 1 milhão de vezes maior do que conseguimos criar na Terra com toda a tecnologia actual. Se a estrela mais próxima desse lugar se tranformasse em Supernova, não a conseguiríamos ver, de tão longe que estaria.

    No entanto, para ele, o que distingue mais fundamentalmente a Terra de um lugar típico do universo é o conhecimento. Se nós fossemos áquele sítio com o conhecimento suficiente, poderiamos usar o hidrogénio residual para criar outros elementos e construir por exemplo, uma base intergaláctica. Os recursos são muitos, até lá num vácuo quase absoluto.

    Quando ele aplica esta forma de pensar a problemas concretos como, por exemplo, ao aquecimento global, salienta que há coisas que não podemos prevenir, e portanto são problemas para resolver. É, diz ele, legítimo pensar em reduzir a emissão de CO2, mas o esforço deveria estar em pensar em, por exemplo aumentar a absorção de CO2 pelos microorganismos, ou em criar um escudo reflector da luz solar em volta da Terra.

    Ele avança com este lema:
    "Problems are soluble. Problems are inevitable."

    Teoricamente, sim.
    Na prática, estaremos lixados se ficarmos à espera.

    Ele nessa mesma palestra refere que bastaria uma estrela a alguns anos luz de nós transformar-se em Supernova para fritarmos todos. Gostaria de saber como resolveria ele esse problema...

    12 setembro, 2006

    É preciso acreditar?

    Como anunciado no post anterior tive como leitura de férias o livro “breaking the spell” de Daniel Dennett.

    A tese do livro é simples. Propõe que se olhe para o fenómeno religioso como se olha para qualquer outro. Sem medo de perguntar, porque para muitos perguntar já é ofender, duvidar já é o demónio a agir.

    Independentemente das conclusões do livro, que ainda não li porque ainda vou a meio, uma coisa me parece desde já clara: a memética tem pernas para andar.

    E o que é a memética? É a genética das ideias, tal como foi proposto por Richard Dawkins no seu seminal “O Gene Egoísta”.
    Uma ideia tem a capacidade de criar cópias de si mesma, ao ser transmitida de cérebro para cérebro, de livro para livro, de geração para geração. Compete com outras ideias por nichos de conhecimento, dando resposta, determinando comportamentos, proporcionando estímulos etc. Da mesma forma que olhamos para a evolução biológica, podemos olhar para a evolução da cultura. Trata-se de transmissão de informação, essencialmente.

    No caso da religião a comparação é melhor feita com os animais domésticos. Há uma origem selvagem, biológica se quisermos, evolução natural, que depois é substituída por uma “domesticação” selecção artificial. Elementos psico-sociais primevos foram sendo apurados, misturados, mutados, e depois seleccionados e apurados até chegarmos às instituições que conhecemos hoje, ou às milhares de seitas que não conhecemos mas que sabemos que estão por aí.

    Ninguém que saiba um pouco de geologia e que perceba que a Terra tem mais de 6000 anos, acredita que a ideia de Deus tal como a entendemos hoje surgiu assim, algures no passado, e inalterável se manteve através dos tempos.
    As diversas religiões foram competindo, adaptando, foram-se extinguindo, até chegarmos ao que temos hoje que é diferente do que termos daqui a umas centenas de anos.

    Um argumento que surge com frequência, e que eu próprio partilhei, é o de que mesmo que não acreditemos, a religião é benévola para a maior parte das pessoas. Dá-lhes sentido, valores, esperança, coisas que não teriam sem uma ideia de Divino.
    As suas vidas seriam vazias e desesperadas.

    Reconheço hoje que é uma visão paternalista, de sobranceria intelectual. "Eles que são fracos, que não conseguem entender o mundo de outra maneira precisam de religião".
    Não precisam. Precisam sim, e apenas, de perceber como funcionam as religiões, da mesma maneira que precisam de saber como funcionam os outros fenómenos naturais que os rodeiam. E precisam de perceber que viver uma vida boa e moral depende apenas de nós.

    24 agosto, 2006

    Quebrar o feitiço

    É o título do livro que levo para férias. Promete.
    O filósofo Daniel Dennett analisa a religião enquanto fenómeno natural. Começa o livro apresentando-nos uma formiga que sobe incessantemente uma folha de erva. Chega ao cimo e cai, e volta a subir, incessantemente. A explicação está num parasita que infectou o seu cérebro. O parasita precisa de se alojar no sistema digestivo de uma vaca ou ovelha para prosseguir o seu ciclo de vida. E assim, "convencida" de que é isso que tem que fazer, a formiga expõe-se ao perigo. Suicida-se em nome de uma coisa que tomou conta do seu cérebro.

    Como dizia, promete. Depois conto. Lá mais para Setembro...

    16 agosto, 2006

    Vozes

    Neste feriado tive a "sorte da televisão" do meu lado e pude assistir a dois testemunhos que muito me tocaram, ambos recolhidos bem antes dos actuais acontecimentos no Médio Oriente..

    Um de uma jovem palestiniana, habitante de um campo de refugiados palestinianos no Líbano, quando perguntaram com que sonha.
    "A minha vida é apenas isto que aqui tenho neste momento. Sonhar... nós aqui não podemos... não tenho sonhos."

    O outro do maestro Yehudi Menuhin, falecido já em 1999, judeu como o nome indica. A pergunta que lhe fizeram foi, se a memória não me falha, "que tinha mudado nos judeus desde a fundação do estado de Israel?"

    "Perderam a inocência. Os judeus respeitavam os 10 mandamentos(...) Mas quando se tornaram um Estado... perderam isso. O primeiro direito que um Estado reclama é o de matar."

    14 agosto, 2006

    Legitimocrisias

    Recentemente tenho-me cruzado (curiosa palavra...) demasiadas vezes, com argumentos que insistem em fazer uma distinção moral entre actos e políticas que tenho, pessoalmente, dificuldade em distinguir. Que não se pode comparar os actos de Israel aos do Hezbollah... Que não se pode comparar uma democracia ocidental com a ditadura de Cuba... e por aí fora.

    Irrita-me de sobremaneira que criticar Israel seja imediatamente identificado com "defender o terrorismo", e que deplorar os actos de alguns opositores de Fidel seja identificado como "defender uma ditadura".

    Por um lado, é claro que a morte de inocentes é inaceitável, seja ela descriminada ou indiscriminada. Diz-se que Israel não tenta deliberadamente matar inocentes, que são danos colaterais, e que para isso usa armas sofisticadas e inteligentes. E que pelo contrário, os seus opositores o fazem. No entanto, se olharmos para as estatísticas das mortes de um lado e de outro, vemos uma enormidade de não combatentes mortos no lado libanês, enquanto do lado israelita a maioria das baixas são soldados. Na verdade este tipo de discussão deixa-me indiferente: uma morte é uma morte, seja de que lado for. Mas quando me dizem que há uma superioridade moral, gosto que me demonstrem.

    Da mesma forma fiquei a pensar hoje a propósito de diversos comentários que vi a notícias relacionadas com a saúde de Fidel Castro, nas legitimidades das "Democracias Ocidentais". Condena-se uma ditadura socialista por condicionar a liberdade de expressão, e de opinião. E por o fazer violentamente.

    O que distingue Cuba dos Estados Unidos, neste aspecto? Tudo, diriam uns. Mas se olharmos para os motivos invocados por sucessivos lideres americanos para justificar toda uma série de acções - desde assassinatos, golpes de estado, patrocínios de ditaduras de sinal oposto à de Castro etc -, a defesa do seu "modo de vida", vemos que não é muito diferente.

    Afinal, Castro defende a Revolução. E não adianta tentar dizer o contrário, a maior parte dos cubanos ainda apoia Castro.
    A diferença entre os Estados Unidos e Cuba será então que os primeiros matam para fora, e os segundos matam para dentro, em defesa do seu modo de vida.

    Cá por mim, fico na mesma conclusão. Uma morte é uma morte, seja em nome de que modo de vida for. Mas não me venham falar de superioridade moral.

    10 agosto, 2006

    Quando os Shiitas Libaneses são deixados em paz

    Entre outras, fazem coisas destas....

    Mas há quem não goste. Sempre a rivalidade entre a Academia de Estrelas e os Ìdolos, suponho...

    24 julho, 2006

    A importância dos extremos

    De há uns tempos para cá fui assaltado pela impressão de estar a ficar mais “de esquerda”. Essa impressão perturbou-me um pouco, porque na realidade acho que sempre pensei mais ou menos da mesma maneira, não dei por passar por grandes transformações pessoais ou estar exposto a especiais formas de doutrinação politica. Uma observação mais atenta do mundo à minha volta fez-me perceber o que se passava. Não era eu que estava mais para a esquerda, mas sim o mundo que está mais para a direita.

    Existem, claro, as legítimas questões sobre a pertinência de limitar o espectro das ideias a uma dimensão apenas. Um eixo que vai da mão do garfo para a da faca, daqui para ali. Mas acho que quando se fala de politica económica, que acaba por ser onde são expressas as visões que os políticos (em princípio, eleitos por nós) têm do que deve ser o estado e a organização da sociedade, essa distinção ainda é pertinente.

    A queda do muro de Berlim e da União Soviética foram saudadas como um grande passo em frente na história. E como o fim de um equívoco politico que ameaçou durante décadas a paz mundial. Acabava finalmente a guerra fria, o mundo deixava de viver sob a permanente ameaça de uma guerra atómica de que ninguém sairia vivo, e para muitos ficava demonstrado que as utopias não passam disso.

    Não pretendo por um momento que aqueles regimes estavam certos e não acredito no comunismo e na sua visão simplista das sociedades, em que apenas há os trabalhadores e os outros. Mas a verdade é que se perdeu algo. Perdeu-se o contraponto. Perdeu-se uma referência. Uma força de equilíbrio.

    Muitas das conquistas de qualidade de vida das sociedades industrializadas, a emergência de uma classe média que trabalhava na industria, foram fruto directa ou indirectamente da existência do “perigo vermelho”. Nos Estados Unidos, por exemplo, inúmeras concessões foram feitas pelos patrões da industria no sentido de garantir que entre os seus empregados não germinavam essas ideias.

    O Ocidente tinha que garantir que os seus cidadãos eram mais ricos, mais instruídos, mais felizes do que os do outro lado, provando assim a superioridade da sua ideologia.

    Hoje o Ocidente acha que não tem que provar nada, e que a história lhe deu razão.

    Quem tem bastante noção da importância de incluir no discurso público ideias radicais são os Think Tanks republicanos, nos EUA, mais uma vez. Recentemente passou-me pela frente dos olhos um enunciado de como a direita americana age para promover as suas ideias. É uma metodologia simples, clara e precisa denominada “Overton Window of political possibilities.”. Parte do pressuposto de que os promotores de ideias confrontam-se sempre com um determinado clima politico.

    Imaginemos em abstracto uma qualquer causa politica (educação, aborto, defesa, não interessa). Para essa causa, há um espectro de ideias que vai de um extremo a outro. Do mais à direita ao mais à esquerda se quisermos. A Janela de Overton é o leque de ideias “aceitáveis”. Um politico está sempre constrangido pela realidade dos seus constituintes. Mais importante do que as suas próprias ideias, são as ideias que os seus votantes consideram razoáveis. Fora desse grupo de ideias, é impossível passar legislação, promover iniciativas, sem enfrentar uma forte oposição popular e perder eleições...

    Assim quando um “Think tank” tem que promover uma ideia que está fora do que a opinião pública considera razoável, a sua função é puxar a janela na sua direcção. Assim, através da sua acção nos media, vai introduzindo no discurso publico ideias consideradas radicais, impossíveis de implementar, ao principio. Mas que com a exposição do publico a essas ideias, o que era inaceitável passa a ser contemplável, e o que era aceite pode até passar a ser rejeitado.

    Quase parece senso comum. Mas explica porque uma série de ideias, nomeadamente sobre o papel do estado na vida publica, de repente parecem tabus, enquanto cada vez mais o individualismo e o privado prevalecem, em detrimento do solidário e do colectivo.

    Por isso se me virem com uma t-shirt do Che-Guevara, não quer dizer que eu subscreva tudo o que ele defendia, sou apenas eu a tentar equilibrar a balança.

    18 julho, 2006

    Terra Santa

    Sugeriram-me que falasse dos acontecimentos no Médio Oriente. Confesso que tenho alguma dificuldade. Não sei que imagens me suscitam mais revolta. Se os filhos do Hezbollah, vestidos de camuflado se as meninas israelitas que escrevem mensagens nas bombas que os vão matar. Nestas coisas é dificil tomar partido ou fazer análises frias.

    O que suspeito é que estamos a assistir a uma coisa bem mais perversa: a estratégia republicana para ganhar as próximas eleições para o Congresso.
    Na cadeia Fox News, o orgão não oficial da administração Bush, já só se fala de Terceira Guerra Mundial. Está então definido o tema que vai tentar eclipsar o fiasco Iraquiano, o fiasco da resposta ao Katrina, o fiasco que é Bush. Quem pode resistir a este argumento? Numa Guerra Mundial de que lado queremos estar?

    Mesmo que estejam a chamar mundial a ataques, pelos seus aliados, de uma Superpotência cuja integridade territorial e política nunca esteve em causa.

    Por outro lado vem aí a época dos furacões. O futuro é de facto incerto.

    10 julho, 2006

    Olho por olho

    Quem já lê este blog há uns meses já tem alguma familiaridade com um tema da matemática designada como Teoria dos Jogos. Falo do Dilema do Prisioneiro. O problema original foi colocado da seguinte forma:
    Dois indivíduos A e B são presos pela policia e pressionados separadamente para denunciar o cúmplice. As suas opções são estas:


    O problema assume que o interesse de cada prisioneiro é o mesmo: minimizar a sua estadia na prisão. Assim, a primeira tentação será denunciar o outro. Mas se ambos denunciam têm menos a ganhar do que se ficarem ambos calados. Mas como cada um não sabe o que o outro vai fazer, se ficar calado e o outro denunciar fica 10 anos na prisão... A melhor estratégia para os dois em conjunto é colaborar um com o outro, ficando ambos em silêncio, mas a tentação de denunciar, ou a dúvida sobre a acção do outro complica as contas.

    Este problema matemático foi utilizado para demonstrar como comportamentos altruístas podem evoluir entre agentes egoístas.

    O jogo fica ainda mais interessante quando é jogado repetidamente e se tentam divisar estratégias para os melhores resultados a longo prazo. Há uma espécie de competição nos meios matemáticos para tentar encontrar a estratégia mais bem sucedida. Até agora a melhor é a mais simples, chamada “Tit for Tat”. O agente colabora na primeira jogada e daí para a frente faz sempre o que o outro fizer. Uma variante obteve também óptimos resultados, “Tit for Tat com perdão”. Neste caso era introduzida uma probabilidade de 5% de voltar a cooperar independentemente da traição anterior, sendo assim possível quebrar ciclos de traição recíproca.

    Na natureza é possível encontrar este tipo de relação em múltiplas instancias. Uma das mais interessantes é observada em agentes infecciosos “latentes”. É conhecido o facto de indivíduos que ficam doentes serem de súbito afectados por umas série de infecções oportunistas. Uma boa parte deste fenómeno é explicado pelo Dilema em questão.

    Imaginem um vírus ou bactéria cujo ciclo de vida coincide com o nosso. A nossa saúde interessa-lhe. Portanto ele mantém um comportamento conservador e enquanto o equilíbrio se mantém nem damos por ele. Mas se por outro qualquer factor o equilíbrio é afectado, alteram-se as regras do jogo. De repente um dos agentes percebe que o outro pode não estar lá no futuro para “cumprir a sua parte”. Já não se justifica uma estratégia de colaboração estrita mas sim um "aproveitar enquanto pode". Nesse momento o agente infeccioso sai do seu estado latente e desata a reproduzir-se como se não houvesse amanhã.
    Isto são processos inscritos na bioquímica dos organismos, não têm nada de conscientes. São produto da selecção natural.

    Ora bem. No post anterior fiz um promessa ousada. Dar a explicação matemática para a eternidade da alma. Essa matemática, como é nesta altura previsível, é a teoria dos jogos, e o que acontece ao dilema do prisioneiro quando o fim do jogo se aproxima. Numa situação de cooperação, de reciprocidade, que é o que caracteriza as relações interpessoais humanas, cooperamos uns com os outros mais ou menos conscientemente tendo por base o principio de que o outro fará o mesmo por nós, ou pelo menos faria se pudesse.

    O fim da vida transforma uma versão iterativa do Dilema do Prisioneiro, de termo indefinido, numa outra de termo certo. Em que pode haver vantagem para um dos lados em deixar de cooperar.

    Nessa altura, há muito tempo, um ancião esperto lembrou-se de dizer: "Espera lá! O jogo não acaba aqui. Se me tratas mal agora, depois o meu espirito vem assombrar-te".
    E pumba...Nesse momento inventou-se a eternidade da alma e o ancião foi bem tratado até ao fim dos seus dias. E para além disso também. Pelo menos, é uma boa hipótese.

    05 julho, 2006

    Pay me my money down

    Para quem não tenha visto recentemente o programa do Conan O'Brien fica aqui um dos melhores momentos televisivos dos últimos tempos. Por coincidência, ou talvez não, com um suspeito do costume.

    Para breve neste blog: A explicação matemática da imortalidade da alma. A não perder.

    03 julho, 2006

    Novo realismo

    Recentemente tive o prazer de ver uma produção documental de Martin Scorcese intitulada "A minha viagem a Itália". Nela o realizador leva-nos pela mão a revisitar os filmes que o influenciaram enquanto jovem italo-americano e cineasta. Reecontramos De Sica, Antonioni, Rosselini, Fellini, Visconti, visitados pelo olhar sabedor e apaixonado de Scorcese.
    Mas de todo aquele amor cinéfilo, houve uma frase que me ficou, com uma ideia que transcende a sétima arte ou qualquer uma das outras.
    Falando das vidas retratadas naqueles filmes, muitas delas da sua Sicília ancestral, Scorcese notava que "Hoje as pessoas vivem em sociedade, unidas pela Lei, e esqueceram-se do que é viver em comunidade, unidas pelo Amor".

    25 junho, 2006

    E se a infelicidade pagasse imposto?

    Há uma ideia, quanto a mim uma boa ideia, que tem despertado algum interesse em certos ciclos, especialmente aqueles que procuram encontrar uma alternativa à teoria económica dominante. Uma missão para a qual não estou qualificado, mas isso não me impede de fazer eco de quem está.
    Um dos principais problemas da economia neo-clássica é assentar numa noção errada e cada vez mais ultrapassada da natureza humana. Nomeadamente que as pessoas são mais felizes quando têm mais coisas.

    Alguns autores, que sabem que a história tem algo para ensinar, interrogaram-se sobre porque é que vivendo o Ocidente uma vida muito mais rica materialmente, não é nem um pouco mais feliz do que dantes.
    Primeiro que tudo há que perceber o que é a felicidade. Não falamos aqui de algo idealizado e intangível, essa noção de felicidade tem feito provavelmente mais gente infeliz do que é bom admitir. Falamos de coisas relativamente simples e práticas. Todos temos uma noção de quão satisfeitos, realizados, tranquilos, entusiasmados, estamos com as nossas vidas. Se se perguntar a uma pessoa se é feliz, é muito provável que a resposta seja válida: sim, não, nem por isso, falta qualquer coisa, gosto da minha familia mas do meu trabalho nem por isso, etc, etc..

    Isto pode parecer óbvio, mas durante uma boa parte do século 20, a psicologia behaviorista dominante negou-o, afirmando que é impossivel saber o que as pessoas pensam, apenas se pode observar o que fazem. Assim, por exemplo, quando uma pessoa entra numa espiral de consumo, a psicologia behaviorista conclui que essa pessoa consome porque isso lhe dá prazer, e como tal contribui para a sua felicidade. A psicologia moderna há uns anos que colocou isso em causa. Nomeadamente porque a teoria não era confirmada pelos factos (coisa que a teoria económica frequentemente ignora).

    Assim, a felicidade hoje é medida quer num nivel geral, quer num nivel particular. A imagiologia cerebral permite identificar os acontecimentos que despertam o prazer ou o medo, a tranquilidade ou a angustia etc etc.
    Fruto destes estudos sabe-se que as pessoas, por um lado, não são muito boas a prever o que lhes vai trazer felicidade. Por outro lado, sabe-se que as pessoas se habituam ao seu estado, e aquilo que parecia ser uma fonte de felicidade deixa de o ser passado uns tempos, e o mesmo se passa com algumas fontes de infelicidade.

    Quando falamos de bens materias isto é especialmente óbvio. A felicidade das pessoas só aumenta com os bens materiais até um certo nível, um pouco acima da subsistência. Acima disso, incrementos de riqueza podem causar picos de felicidade, mas depois a pessoa reverte para um estado “normal”. Este estado é ditado sobretudo pela comparação com as pessoas à sua volta.

    Por isso uma das coisas que importa identificar é que coisas causam felicidade, e nunca são demais. E entre essas estão coisas como boas e sólidas relações sociais, amigos, família, sexo, um trabalho compensador, que dá significado ao que fazemos, e outras assim.

    A resposta é simples e parece senso-comum, mas a verdade é que a vida a que cada vez mais gente é obrigada, no esforço pela competitividade e na busca de uma ideia de felicidade vendida por quem não sabia do que falava, nos afasta cada vez mais das verdadeiras fontes de bem estar.

    A desintegração das famílias, a trivialização das relações, a mobilidade imposta a trabalhadores e famílias, a angustia de ficar para trás numa corrida sem sentido, são-nos impostas como modernidade, flexibilidade, liberdade individual, sucesso. Por vezes o discurso parece até assustadoramente moralista. Mas se olharmos para o que se exige, é simplesmente mais tempo e estabilidade para nos relacionarmos uns com os outros de formas emocionalmente construtivas.

    A ideia nova de que falei ao princípio, é a de integrar a felicidade numa nova teoria económica. A teoria vigente tem um nome para os custos que ficam fora do sistema: Externalidades. São externalidades, por exemplo, os custos ambientais de uma industria. Durante décadas foi permitido poluir à vontade fazendo com que todos pagassem esse custo, em benefício de alguns que lucravam com isso. Esse estado de coisas conduziu directamente à actual ameaça do aquecimento global, por exemplo.

    Assim, a infelicidade devia ser considerada como uma externalidade e, reconhecida como tal numa politica de justiça, sujeita a impostos e multas.

    Não julguem a ideia pelo simplismo da minha esplanação. O autor de onde trago uma boa parte destas ideias é um dos mais eminentes economistas britânicos da actualidade, e o seu livro Happiness é apenas uma primeira tentativa, talvez ainda imperfeita, de tentar perceber como um Estado se pode organizar para fazer aquilo que é afinal a sua razão de existir: promover a felicidade dos seus cidadãos.

    Os opositores chamam paternalista a este tipo de propósitos. E insistem que a felicidade está ligada a coisas como "liberdade económica". O pior cego é mesmo o que não quer ver. Mas o assunto, como de costume não fica por aqui.

    16 junho, 2006

    Já tardava.

    Antes que o designorado passe a desquecido vou aqui dar conta dos temas à volta dos quais tenho andado a matutar e sobre o quais espero vir a elaborar mais nos próximos posts.

    Ando a ler um livro intitulado “Happiness” de um economista chamado Richard Layard. Nesse livro ele defende algumas ideias interessantes que o pensamento económico corrente tem ignorado. Nomeadamente questiona, com vasta fundamentação, a ideia central de que quanto mais riqueza temos mais felizes somos.
    Parece a espaços um conjunto de ideias banais, de senso comum ou sabedoria popular, mas a verdade é que, na medida em que a ciência consegue medir a felicidade, demonstra-se que esse senso comum estava certo.
    A tese do livro é que, sabendo o que faz de facto as pessoas felizes, é desejável desenhar outro tipo de politicas económicas, nomeadamente umas que distribuam a riqueza de forma a minorar um dos grandes focos de infelicidade, que é a desigualdade. Falo de desigualdade económica, como a que é fácil de encontrar em Portugal e mais difícil, por exemplo, nos países nórdicos.
    Mais sobre isto num futuro post.

    Sobre energia, dei-me conta de um facto curioso. Face à eminência do “peak oil” — o termo usado para designar o ponto máximo de produção de petróleo antes do declínio inevitável por esgotamento das reservas— cada vez se ouve falar mais de energia nuclear.
    Mas o que pelos vistos pouca gente sabe, é que o “Peak Uranium” foi atingido há cerca de 20 anos. Uma larga percentagem da energia nuclear actual é produzida a partir de ogivas nucleares desactivadas pelos pactos de desarmamento. As centenas actuais de centrais nucleares de todo o mundo já têm um limite no horizonte para as suas funções. As milhares que seria preciso construir para substituir por completo o que tiramos do petróleo seriam elefantes brancos instantâneos.


    Para terminar, há uma coisa que me faz confusão. A insistência em modelos centralizados de produção de energia, como aquela mega central solar de Serpa. É sempre louvável um investimento sério em energias renováveis, mas fica-me sempre a impressão de que o negocio da energia é sistematicamente mantido na área dos grandes projectos centralizados para assegurar que continua a ser um negocio atractivo para os grandes investidores.
    Alguma centralidade tem que existir para assegurar a manutenção de reservas nacionais, mas penso que seria muito mais séria uma politica de disseminação da produção de energia, recorrendo a diversas fontes. Se por exemplo todos os telhados do pais tivessem 60m2 de painéis fotovoltaicos, estariam garantidas todas as necessidades de electricidade do pais. É um extremo desnecessário, e provavelmente com alguns contras mas dá uma ideia do que era possível fazer com outro enquadramento.
    Para não falar do que seria possível fazer com melhores regras de construção... Na Alemanha, foi criado um standard chamado Passivhaus que certifica casas energeticamente eficientes. As casas construídas por estes standards não têm sistemas activos de aquecimento ou arrefecimento, e mantêm uma temperatura média de 21,4° C. Um cuidados isolamento e dimensionamento da exposição solar, permite que as fontes de calor naturais como o corpo das pessoas e o sol, em conjunto com o resultante de cozinhar ou aquecer água para banhos, seja suficiente para manter uma casa confortável, até no inverno da Alemanha.
    Por cá, seria preciso transformar aquilo que é um cancro numa cura. Pouco menos que um milagre para mudar as cabeças de presidentes de câmara e os empreiteiros que os alimentam.

    07 junho, 2006

    Interlúdio Musical

    Post concebido exclusivamente para ganhar tempo e proporcionar um bom momento a apreciadores de John Lee Hooker e Van Morrisson.

    Ou ainda para os apreciadores de R.E.M. e um amigo deles.

    27 maio, 2006

    A alma portuguesa, o tanas

    Imagine um país onde os condutores conduzem pela esquerda mesmo com a faixa da direita livre.
    Onde se usa de esquemas e cara de pau para, por exemplo, entrar onde não é suposto para satisfazer uma curiosidade qualquer.
    Ou onde há leis de padrões de construção há mais de 20 anos que nunca foram devidamente aplicadas e fiscalizadas.
    Ou ainda um país onde subsídios churudos para a agricultura, vão para grandes agro indústrias e latifundiários, e os pequenos produtores ficam a ver navios.
    E onde face a estas atitudes, se abana a cabeça e diz: só mesmo aqui…

    Se até aqui parece que este é um post a falar de como somos péssimos, é de propósito. Mas os exemplos que referi acima vêm de além fronteiras, Alemanha, Inglaterra, e no caso dos subsídios agricolas, toda a Europa.

    Confesso que fico dividido perante esta espécie de lenta revelação que tive nas ultimas semanas. Por coincidência, um conjunto de pequenos episódios, anedotas, e noticias levavam sempre à mesma conclusão: Não somos assim tão excepcionais como isso.

    Seja em pequenas incivilidades seja em grandes vícios instituidos, lá fora, na Europa que nos habituámos a ver como civilizada, consciente, organizada, multiplicam-se os maus exemplos. Bem, talvez os Suíços sejam mesmo diferentes. Mas esses estão à parte.

    E fico dividido porque não sei se hei-de desesperar, pois se até os bons exemplos não o são, afinal, ou se devo ter esperança, porque se somos capazes de ser iguais no pior, também seremos capazes de imitar o melhor.
    Mas talvez seja um bom antídoto para aquela resposta que bem conhecemos, quando alguém sugere que adaptemos este costume ou aquele processo: “Pois pois… isso cá nunca pegava…”

    Se há algum excepcionalismo português é que muito cedo fomos obrigados a viver de costas voltadas para os nossos vizinhos europeus. Fomos alimentando esta ilusão de que éramos únicos, porque tudo o que conhecíamos era a nossa imagem, reflectida no Atlântico. E fomos ficando resignados no nosso isolamento, incapazes de criar nesta terra aquilo que fomos fazer em outras. Futuros.

    Ao contrário de muitos vejo esperança nos imigrantes que entre nós se fixam. Trazem outros olhares, outros espelhos, com a imagem da nossa própria humanidade que nos foi negada pela história.

    22 maio, 2006

    Sinais dos tempos todos

    Como alguns dos (poucos…) leitores deste blog talvez se apercebam, não costumo primar pela frequência das actualizações. Por um lado porque tento tanto quanto possível dar alguma substância aos temas que abordo, e há limites para a substância que cabe nesta pobre cabeça. Por outro, tento não ser demasiado repetitivo. O que também não é fácil.

    O nosso tempo é atravessado por alguns grandes temas, mas poucos. Tudo o resto são derivações do mesmo. Clima, energia, economia, radica tudo no mesmo, uma ideia de progresso e sustentabilidade, a tentativa de continuar a andar para a frente deixando o menos possível da humanidade para trás.

    Mas mesmo esta ideia, que parece nobre, pode ser interpretada de forma perversa e destrutiva. Há muitas comunidades humanas nativas que preferiam ser deixadas aos seus hábitos e costumes. Vale mais ser um rei, ou um guerreiro, na idade da pedra do que um sem-abrigo no século XXI.

    Recentemente, uma baronesa com assento na Câmara dos Lordes, inglesa, acusou duas tribos bosquimanes do Kalahari, no Botswana, de quererem continuar na idade da pedra. Inadmissível!

    Passou-lhe ao lado que as populações já realojadas em campos, vivem desenraízadas do seu modo de vida, sem mais do que esperar a chegada do alcoolismo, da SIDA, e outras “conveniências” da vida moderna reservadas para quem está destinado a não ser privilegiado em África.

    E não lhe causou repugnância que este desalojamento forçado fosse provocado pelo conluio entre o governo do Botswana e a De Beers, de nome, Debswana, detentora dos direitos de exploração de diamantes no território dos Bosquímanes, que de resto lhe pagou a viagem em que ela tirou tão eloquentes conclusões.

    O nosso tempo é de paradoxos. Enquanto uns tentam resolver os problemas de sustentar vida Humana em Marte, os que verdadeiramente sabem como se sustenta a vida Humana na terra vão sendo eliminados, em nome do progresso.

    Não sou um romântico adepto do regresso a uma vida de caçador recolector, isso não é para mim, e não pode ser para todos. Mas não nos fazia mal aprender com os que vivem em harmonia com os ambientes mais inóspitos da terra, em vez de os extinguir. Um dia podemos ser forçados a imitá-los.

    16 maio, 2006

    Os telemóveis, as donzelas e a morte.

    Volta e meia, somos presenteados no jornal da noite, ou numa primeira página qualquer, com mais uma infâmia que nos leva, dependendo normalmente do grau e proximidade, a exercer o nosso direito de indignação. Normalmente não passa do colega do lado, numa conversa do género "Já viste o que aconteceu ali? É incrível! Em pleno século vinte! Vinte e um, aliás!" e por aí fica.

    Infelizmente muitas mais há que não são apanhadas com a mesma frequência e atiradas para as prioridades das preocupações do mundo. Neste momento poucas devem ser mais trágicas do que o que se passa na Republica Democrática do Congo.

    O Congo, ex-Belga, ex-Zaire, é neste momento um país que mal existe, depois de conhecer uma guerra pavorosa entre 1998 e 2003-o fim oficial do conflito. O território continua politicamente fraco, dividido ente milicias locais e milicias de países vizinhos, com os habituais traços tribais desta parte do mundo. O facto de a dita guerra ter sido o conflicto que mais mortes causou desde a Segunda Guerra Mundial, parece não ser o suficiente para mobilizar vontades internacionais. Afinal tudo se passa no coração mais negro de África, onde tudo é ainda tão selvagem, "eles que se entendam". Não é nada connosco. Era bom se fosse tudo assim tão fácil para as nossas consciências.

    No meio dos conflitos tribais há um tema que sobressai. A luta pode ser ancestral, mas o que a sustenta actualmente, é bem deste século. O Congo contem 80% das reservas mundiais de Coltan. Um mineral que contém Nióbio e Tantalo, este metal é usado na construção de condensadores, um componente fundamental dos telefones celulares e computadores portáteis.

    Este mineral é recolhido por mão de obra escrava ou semi escrava sob o controlo das milicia locais e, de uma forma geral, encaminhado (contrabandeado) para um dos países vizinhos, Rwanda, Uganda e Borundi, e daí exportado para as indústrias high-tech do Hemisfério Norte.

    Uma das características do conflicto é a extrema violência sexual exercida sobre as mulheres.
    No hospital de Bukavu as vitimas chegam frequentemente, quando vivas, violadas por bandos e depois baleadas. Tão jovens como 3 anos de idade, tão idosas como 78. Mais do que a violência caracteristica dos vencedores sobre os vencidos em cenários de guerra, estes actos são usados como táctica de desmoralização das populações. Com assinalável sucesso.

    Estima-se, e pouco mais se pode fazer do que isso, que centenas de milhares de mulheres sejam anualmente vitimas desta guerra que oficialmente terminou.

    Oficialmente, também, a indústria evita a compra das matérias primas de origem duvidosa. Alguns fabricantes terão boicotado completamente a compra de Coltan Africano, adquirindo-o noutras partes do mundo como a Austrália.

    Ler o artigo que recentemente me voltou a lembrar deste conflito é penoso. É dificil não ficar com um nó na garganta, e com os punhos cerrados de revolta e impotência. Nas palavras de uma mulher que trabalha todos os dias numa mina para alimentar a sua familia são "as pessoas mais infelizes do mundo".

    Citações financeiras do dia

    "The dollar is now like a cat up a tree; it has to come down but can't find a way."
    (um leitor do Guardian)

    E o pior é que se cair aos trambolhões vem a árvore atrás.

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    The Micawber Principle:

    "Annual income twenty pounds, annual expenditure nineteen nineteen six, result happiness. Annual income twenty pounds, annual expenditure twenty pounds ought and six, result misery."
    (Charles Dickens)

    14 maio, 2006

    Bê à Bá.

    Na sexta-feira assisti a uma entrevista com o jurista, economista e ex-ministro das finanças, Henrique Medina Carreira. Este, para quem são saiba, é um homem que diz o que nenhum político diz: que anda tudo a brincar, e que os portugueses é que vão sofrer daqui a 10 anos.

    Para contrariar esse estado de coisas, uma das apostas dos governos é a educação e qualificação. Ou assim dizem. E vem sempre à baila o exemplo da Finlandia, ou da Irlanda. Sobre a Irlanda sei menos, mas sobre a Finlandia encontrei uns artigos interessantes.

    Para a nossa educação ser comparável à daquele país, começamos por ter no mínimo uns 50-70 anos de desvantagem. Ou mais. Em 1921, os finlandeses reformaram o sisema de ensino de acordo com o modelo suíço (uma coisa que também nunca percebi: porque é que não nos limitamos a imitar o que os outros fazem bem, mesmo com ligeiras adaptações?). Este modelo implicava 9 anos de escolaridade obrigatória, a responsabilidade municipal de manter uma escola onde houver pelo menos 30 crianças, e também o cuidado de que nenhuma delas fique a mais de 5 km da respectiva escola.

    Depois, terminados os 9 anos obrigatórios, coloca-se a escolha de uma escola vocacional ou da preparação para a Universidade. 94% escolhe ou uma ou outra.

    Estas escola são heterogéneas. Podem ser liceus mais ou menos normais, mas também podem estar vocacionadas para determinadas áreas, como a mantida pela Nokia com enfase na matemática e tecnologia, ou outra escola que prepara os melhores atletas de hóquei no gelo, patrocinada por uma fábrica de equipamento.

    Os finlandeses beneficiam de algumas caracteristicas próprias e irreproduzíveis: a lingua é especialmente fácil de aprender a ler e escrever. Há uma enorme valorização da leitura, atribuida aos longos invernos que estimularam durante muito tempo hábitos de leitura, e mesmo a televisão e o cinema (aqui à nossa semelhança) são exibidos com legendas e não dobrados. No 3º ano de escolaridade começam a aprender uma segunda língua, e no 5º uma terceira.

    Mas um dos factores mais importantes para o sucesso será talvez a inteira dedicação dos professores ao ensino. Todas restantes tarefas das escolas são atribuidas a pessoal auxiliar e administrativo, e até as turmas com mais de 18-20 alunos, são assistidas por um auxiliar, que ajuda o professor. Além disso, as crianças com dificuldades de aprendizagem são acompanhadas ao nivel da escola, mobilizando-se esta para providenciar aulas suplementares, explicações ou outras acções que permitam o aluno manter a sua presença na sala de aula e acompanhar os programas com os seus colegas.

    Como é que podemos ser como a Finlandia? Não faço ideia. A receita parece ser a que qualquer pedagogo sensato receitaria: professores dedicados, escolas e turmas dimensionadas. Porque é que é tão difícil?

    O pior de tudo é o efeito cumulativo de uma geração de professores incompetentes e/ou desmotivados, eles já fruto de um sistema que nunca teve uma estratégia, critérios cientificos, e objectivos que servissem as necessidades do país e das pessoas.

    09 maio, 2006

    Velhos e bebés

    Quando ouço falar da crise da segurança social, das suas causas e das medidas preconizadas para a enfrentar, fico sempre meio confuso.
    O consenso, mais uma vez ele, é que a situação caminha para a insustentabilidade por causa do envelhecimento da população.

    Nesse caso, façam-se mais bebés, promovendo aquilo que faz as pessoas constituir famílias: emprego, estabilidade, capacidade de estabelecer estratégias de vida, tempo para as crianças etc.

    Ok... não há dinheiro para isso. Então importemos gente em idade de trabalhar, vulgo imigrantes. Mas, se não há empregos... vão trabalhar no quê?

    Outro ângulo da solução era aumentar os ordenados, digo eu. Se as pessoas pelo seu trabalho receberem mais, e pagarem mais impostos, as receitas aumentam....
    Mas aí coloca-se o problema da produtividade. Os produtos portugueses ficavam menos competitivos.

    Mas se a ideia é afirmarmo-nos pela qualidade e qualificação, pela elevada capacidade tecnológica e de inovação, merecedora de um choque, das nossas industrias, sermos verdadeiros finlandeses ao sol, se calhar não era má ideia deixar de lado de vez esta obsessão da mão de obra barata.

    Por outro lado ainda, não sou conhecedor das contas do estado, mas ouço dizer que há dinheiros desviados da segurança social para outros fins. Ora se isto for mesmo assim, não há sistema que resista. E é desonesto andar a dizer às pessoas que ele não funciona, ou está caduco.
    Não duvido de que padecemos de problemas de eficiência, derivados sobretudo de baixos níveis de responsabilidade. De uma forma geral ainda tratamos o que é de todos como se não fosse de ninguém. Mas isso não significa que o sistema não funcione, se bem usado.

    E depois, no fim de tudo, a história do envelhecimento da população pode ser um falso problema. È certo que os avanços da medicina nos permitiram potencialmente viver mais tempo.
    Mas ao mesmo tempo fizemos evoluir as nossas sociedades “modernas” para hábitos alimentares horríveis que criam percentagens enormes de crianças obesas e fizemos evoluir os ambientes de trabalho para focos epidémicos de doenças derivadas do stress.

    Ou seja, afinal, os nossos filhos são bem capazes de vir a viver menos tempo que os nossos pais, a continuar este estado de coisas. Se calhar é a isto que chamam a mão invisível... tudo acaba por se compensar...

    05 maio, 2006

    Tempus fugit, ou nem por issit?

    Hoje, numa conversa ao almoço, fui assaltado por uma questão.

    Se o tempo parasse, os relógios continuavam a funcionar?

    Pode parecer absurda, mas acompanhem o meu raciocínio.
    O tempo não faz funcionar os relógios.
    Pelo menos não no sentido em que a temperatura faz subir o mercúrio, ou o movimento do carro acciona o velocímetro. O que faz funcionar os relógios é a energia acumulada na corda, ou na pilha.

    Se o tempo parasse, ninguém dava por isso.
    Se os relógios parassem, nós também, e não os víamos parar. O tempo é democrático, quando pára é para todos.

    Tenho a certeza de que isto é importante. Resta-me descobrir para quê.




    P.S. Não vale a pena procurar siginficados ocultos. Este post não tem mesmo nada que ver com a crise de energia, com geopolítica ou com a luta de classes. Ou até com a natureza humana...

    04 maio, 2006

    O Preço do Petróleo

    Toda a gente se preocupa com o preço do petróleo. Tirando as petrolíferas, claro. A voz corrente é que o preço decorre directamente das instabilidades políticas diversas que assolam alguns países produtores: Iraque, claro, Irão, Sudão, Nigéria, Venezuela e agora Bolívia.

    Em parte, sim. Mas mesmo que esta gente toda estivesse em paz, consigo e com os que tentam mandar no comercio de energia, estaríamos a pagar o petróleo muito mais caro.

    A segunda causa normalmente apontada é o aumento da procura mundial, fruto do desenvolvimento acelerado das economias Indiana e Chinesa.

    Muitos analistas apontam para a exaustão das reservas de petróleo como de resto já abordei neste meu cantinho. Mas há outros factores interessantes a condicionar esta subida de preços.

    Vamos supor que simplesmente se decidia aumentar a produção independentemente de isso acelerar o fim ou não. Era impossível neste momento. A industria do petróleo não estava preparada para este crescimento, e não tem os poços, as refinarias, os petroleiros, e até os engenheiros para levar tal empreendimento a cabo.

    O preço de construir estas estruturas aumentou entre 3 e 10 vezes, porque por outro lado matérias primas como o cobre e o aço viram os seus preços subir exponencialmente.

    E também aqui a indústria de extracção está no limite. Coisas aparentemente tão prosaicas como os megapneus dos enormes camiões utilizados na extracção a céu aberto viram o preço disparar. Também a industria de pneus tem dificuldade em acompanhar a procura.

    È uma espiral de exaustão dos recursos do planeta. E se, naquela discussão entre optimistas e pessimistas, ficava a esperança de que as ideias nos salvassem, constata-se que o esforço, os Biliões estão a ser investidos na manutenção do status quo. A garantir que uma parte privilegiada da população mundial não perca o acesso ao que vai sendo escasso. Em vez de serem investidos em ideias que nos permitam libertar dessas dependências.