28 setembro, 2006

Felicidade Sintética

Este foi um conceito novo que aprendi recentemente com o psicólogo Dan Gilbert. Ele distingue felicidade natural de felicidade sintética.
Apesar de instantaneamente torcermos o nariz à ideia, vale a pena perceber do que ele está a falar: Felicidade Natural é o que sentimos quando obtemos o que queremos, Felicidade Sintética é o que fazemos quando obtemos o que não queremos.
E o que fazemos nós? Adaptamo-nos, reconstruímos as nossas escalas de valores.


A isto os psicólogos chamam "impact bias" (ainda hei-de aprender a traduzir "bias" como deve ser, mas até lá paciência). As pessoas são muito más a prever as consequências dos diversos futuros possíveis. Sejam motivados pelas suas escolhas, seja eles fruto de circunstancias que não controlam.

Quantas vezes, depois de uma experiência de alguma forma traumática, que não esperávamos ou temíamos, olhando para trás dizemos: Foi a melhor coisa que me podia ter acontecido: ser despedido, abandonado pela pessoa amada, ficado em vez de ido... etc etc.

Alguns exemplos públicos roçam o extraordinário.
Um ex-condenado sai da prisão onde foi metido por um crime que não cometeu durante 37 anos: "Não lamento nada, foi uma experiência gloriosa."

Ou o antecessor de Ringo Starr: "Hoje sou muito mais feliz do que se tivesse ficado nos Beatles".

Ao fim de um ano, a mudança na felicidade de um vencedor da lotaria ou de uma vitima de acidente que fica paraplégica é idêntica, perto de nula. Custa a acreditar, mas é assim.

È uma espécie de sistema imunitário psicológico.

Claro que isto não significa que as coisas são iguais, que é igual partir uma perna ou ficar apaixonado. E no fim vai dar tudo ao mesmo.

Gilbert remete-nos para Adam Smith aqui traduzido por mim, com as devidas desculpas:

“A grande fonte de tristeza e desordem na vida humana parece estar em sobreavaliar a diferença entre uma situação permanente e outra. Algumas dessas situações sem dúvida merecem ser preferidas a outras, mas nenhuma delas merece ser procurada com tal paixão e ardor que nos leve a violar quer as regras da prudência, quer da justiça; ou que corrompa a futura tranquilidade das nossas mentes, quer por vergonha da memoria da nossa loucura, quer pelo remorso da nossa injustiça.”

15 setembro, 2006

Alarme

Esta não estava eu à espera, confesso.
E não é que de repente se começa a desenhar um debate Criacionismo/Evolução em Portugal? Ainda por cima num blogue que é dos mais lidos, ao que parece. E em jornais de grande circulação? Está tudo parvo?

Às armas!

14 setembro, 2006

E pensava eu que era optimista.

Depois de ouvir uma palestra do físico David Deutsch decidi rasgar o meu cartão de optimista militante. Sou um mero amador.

Antes de mais um pouco de contexto. Falava-se da capacidade rara que se desenvolveu neste cantinho do universo de conhecer a existência. A Terra, connosco nela, apresenta condições raras de concentração de quase tudo o que há no universo.

Não estamos num lugar típico do universo. Como Deutsch sublinha, um lugar tipico no Universo, é quase completamente desprovido de luz, 3 graus acima do zero absoluto, e com um vácuo 1 milhão de vezes maior do que conseguimos criar na Terra com toda a tecnologia actual. Se a estrela mais próxima desse lugar se tranformasse em Supernova, não a conseguiríamos ver, de tão longe que estaria.

No entanto, para ele, o que distingue mais fundamentalmente a Terra de um lugar típico do universo é o conhecimento. Se nós fossemos áquele sítio com o conhecimento suficiente, poderiamos usar o hidrogénio residual para criar outros elementos e construir por exemplo, uma base intergaláctica. Os recursos são muitos, até lá num vácuo quase absoluto.

Quando ele aplica esta forma de pensar a problemas concretos como, por exemplo, ao aquecimento global, salienta que há coisas que não podemos prevenir, e portanto são problemas para resolver. É, diz ele, legítimo pensar em reduzir a emissão de CO2, mas o esforço deveria estar em pensar em, por exemplo aumentar a absorção de CO2 pelos microorganismos, ou em criar um escudo reflector da luz solar em volta da Terra.

Ele avança com este lema:
"Problems are soluble. Problems are inevitable."

Teoricamente, sim.
Na prática, estaremos lixados se ficarmos à espera.

Ele nessa mesma palestra refere que bastaria uma estrela a alguns anos luz de nós transformar-se em Supernova para fritarmos todos. Gostaria de saber como resolveria ele esse problema...

12 setembro, 2006

É preciso acreditar?

Como anunciado no post anterior tive como leitura de férias o livro “breaking the spell” de Daniel Dennett.

A tese do livro é simples. Propõe que se olhe para o fenómeno religioso como se olha para qualquer outro. Sem medo de perguntar, porque para muitos perguntar já é ofender, duvidar já é o demónio a agir.

Independentemente das conclusões do livro, que ainda não li porque ainda vou a meio, uma coisa me parece desde já clara: a memética tem pernas para andar.

E o que é a memética? É a genética das ideias, tal como foi proposto por Richard Dawkins no seu seminal “O Gene Egoísta”.
Uma ideia tem a capacidade de criar cópias de si mesma, ao ser transmitida de cérebro para cérebro, de livro para livro, de geração para geração. Compete com outras ideias por nichos de conhecimento, dando resposta, determinando comportamentos, proporcionando estímulos etc. Da mesma forma que olhamos para a evolução biológica, podemos olhar para a evolução da cultura. Trata-se de transmissão de informação, essencialmente.

No caso da religião a comparação é melhor feita com os animais domésticos. Há uma origem selvagem, biológica se quisermos, evolução natural, que depois é substituída por uma “domesticação” selecção artificial. Elementos psico-sociais primevos foram sendo apurados, misturados, mutados, e depois seleccionados e apurados até chegarmos às instituições que conhecemos hoje, ou às milhares de seitas que não conhecemos mas que sabemos que estão por aí.

Ninguém que saiba um pouco de geologia e que perceba que a Terra tem mais de 6000 anos, acredita que a ideia de Deus tal como a entendemos hoje surgiu assim, algures no passado, e inalterável se manteve através dos tempos.
As diversas religiões foram competindo, adaptando, foram-se extinguindo, até chegarmos ao que temos hoje que é diferente do que termos daqui a umas centenas de anos.

Um argumento que surge com frequência, e que eu próprio partilhei, é o de que mesmo que não acreditemos, a religião é benévola para a maior parte das pessoas. Dá-lhes sentido, valores, esperança, coisas que não teriam sem uma ideia de Divino.
As suas vidas seriam vazias e desesperadas.

Reconheço hoje que é uma visão paternalista, de sobranceria intelectual. "Eles que são fracos, que não conseguem entender o mundo de outra maneira precisam de religião".
Não precisam. Precisam sim, e apenas, de perceber como funcionam as religiões, da mesma maneira que precisam de saber como funcionam os outros fenómenos naturais que os rodeiam. E precisam de perceber que viver uma vida boa e moral depende apenas de nós.