26 abril, 2007

Desconfortos

(Este post se calhar devia chamar-se sociologia de pé-quebrado, mas tenham paciência)

Acho muito curioso um certo desconforto de uma direita que por facilidade chamarei tradicional com o presente estado das coisas.

É uma direita, em Portugal, católica, sensível em principio ao sofrimento dos outros, aos mais desfavorecidos, às injustiças sociais. Mas que, por um punhado considerável de razões não consegue descolar do seu posicionamento de direita “total” e tentar encontrar-se com outras faixas da sociedade para construir uma nova ordem socio-económica mais justa, mais humana e menos angustiante. Assim, frequentemente, estes democrata-cristãos convivem de perto com liberais puros e duros, por vezes até dentro da mesma pessoa.

Eles sentem o que sentem as pessoas decentes face a uma sociedade onde a única meta legitimada é a acumulação de riqueza.
Na verdade a meta é a felicidade, mas a teoria económica que prevalece não preconiza o momento em que é legítimo parar, distribuir e gozar da riqueza acumulada. Por isso vive-se esta corrida que a todos deixa exaustos, a começar (e terminar…) pelo planeta.
Esta teoria defende que se se deixar os ricos fazer o que fazem melhor, acumular riqueza, estes consomem coisas que são feitas pelos menos ricos, que por sua vez consomem coisas que são feitas pelos mais pobres, que por sua vez com essa chuva miudinha de riqueza acabam por ficar eles próprios mais ricos.
Basta um olhar para o mundo dos últimos 30 anos para perceber que a realidade tem muito pouco que ver com esta teoria, mas isso não é o assunto deste post.

De qualquer modo, estas pessoas ficam assim, preocupadas. Com o papel da família, com o desemprego, com os pobres, com os imigrantes, com a degradação do ambiente, com tudo o que vão sendo os efeitos reais desta coisa.
Mas mantêm que ser ambientalista é ser hippie ou qualquer coisa pior, que sindicatos só servem para quem não quer é trabalhar, que a riqueza acumulada é intocável, que a propriedade é inviolável, que quanto menos governo melhor, etc, etc, etc.

Dir-se-ia que, na sua maioria, são incapazes de conciliar a sua visão destas causas com alguém que esteja num quadrante político mais à esquerda e que afinal tenta combater os mesmos males. Parecem ter muita dificuldade em admitir que estamos todos no mesmo barco.

Suspeito que nem sequer é a natureza das mudanças que seria preciso operar para inverter esta marcha civilizacional que separa esta direita da esquerda que quer o mesmo. A minha tese, e a razão para esta prosa toda, é que se trata apenas uma diferença de opinião sobre de onde vem a autoridade que legitima a acção.

É que uma coisa é fazer justiça em nome de Deus, outra em nome dos homens.

26 de Abril

24 abril, 2007

O verdadeiro escocês

"No Scotsman puts sugar on his porridge."
"But my uncle Angus likes sugar with his porridge."
"Ah yes, but no true Scotsman puts sugar on his porridge."



E assim se vai mantendo a face. Ou melhor, a cara de pau.

19 abril, 2007

Um segundo, por favor.

Dei por mim a pensar que uma das maiores transformações das sociedades modernas é a acontecida na nossa relação com o tempo. Não pretendo com isso ser original. Neste mesmo blog já tinha citado Esther Dyson quando referia que “cada vez vivemos mais tempo, mas pensamos mais a curto prazo”.

Mas não é apenas este paradoxo, que nos faz ter vidas longas mas medidas ao segundo, que me perturba. Mais que isso acho que estamos a assistir a uma aceleração absurdamente desumanizante.

É a economia e o imperativo do crescimento, que nos obriga a fazer mais em menos tempo, primeiro, e depois a fazê-lo durante mais tempo. É o trabalho à velocidade da cocaína. É a obsessão por resultados rápidos, viagens rápidas, prazeres rápidos. E é a rapidez a que os estímulos nos chegam de todo o lado.

E alguns assumem que é assim mesmo: dar tudo agora, ter sucesso, para depois comprar uma casa no Alentejo e plantar porcos, ou arranjar uma casinha no Nordeste do Brasil e fazer o que se faz em casinhas no Nordeste do Brasil. E os outros todos têm que andar à velocidade desses ou são considerados obsoletos e para esses nem uma reforma aos 70 anos.

Nesta velocidade vertiginosa, não há tempo para fazer bem, apenas para fazer muito. Não há tempo para agir, apenas para reagir. Não há tempo para reflectir. E para “descansar” procuram-se emoções fortes, adrenalina, coisas rápidas de preferência.

Venderam-nos a ideia de que temos que ser competitivos. Como um Fórmula 1. Só não nos explicam que o nosso papel é o dos pneus, que nunca chegam a ver o fim da corrida.

Mas as pessoas não foram feitas para isto. Precisam de tempo para crescer, tempo para encontrar um amor, tempo para o saborear, tempo para ter uma família, tempo para ter amigos.

O resultado de não se dar tempo a estas coisas está aí… nas estatísticas das doenças mentais, no consumo de anti-depressivos e de religiões instantâneas, na infelicidade mascarada de prazer curto, e também na violência que desperta aqui e ali em pessoas que até esse momento eram como nós.

Tempo é dinheiro? Se sim, estamos a ser roubados e com bastante descaramento.

O nosso tempo é a nossa vida. Peço desculpa se com a leitura deste post desperdicei um pouco da sua.

Ah, e isto não é um Carpe Diem. Um dia não é nada.
Mania das pressas…

16 abril, 2007

Liberdades positivas

Aqui há uns meses, fruto da leitura de “Happiness-lessons from a new science” de Richard Layard, sugeri que a infelicidade poderia ser sujeita a imposto.

Colocado desta maneira, admito que poderia parecer como aquela anedota do dentista que era mais barato “sem dor” do que “com dor”. O paciente escolhia, claro, “sem dor” e, quando o dentista começava a arrancar o dente a sangue frio avisava: “Não grite, se não é mais caro!”
Ora, não era isso que se pretendia...

Volta o assunto á baila, porque o movimento entre economistas e outros cientistas sociais para promover outras medidas de desempenho das sociedades que não o PIB parece estar a tomar proporções suficientes para despertar reacções nos sectores que defendem que “crescimento acima de tudo, a mão invisível trata do resto”.

Os argumentos são os esperados. Que a felicidade é subjectiva, não deve ser um governo a determinar o que torna os seus cidadãos felizes, vem o papão dos marxistas e de outras engenharias sociais, etc. Ou então levantam argumentos morais: que a felicidade não é tudo, também há a beleza, a liberdade, e mais uns quantos...

Contrapondo ao motivo do lucro, na sua síntese, Karl Polany define os motivos humanos como: sobrevivência física, liberdade, e uma existência moral com significado.

Ultrapassado o problema da subsistência a importância do dinheiro dilui-se. Se uma pessoa não tem que se preocupar todos os dias se vai ter que comer, ou ter frio, o mundo fica muito mais cor-de-rosa de repente.

Emergem nessa altura outros factores. E são esses factores que a economia neo-clássica despreza.

Um indicador de progresso baseado em algo mais do que trocas comerciais, daria valor a coisas que o não têm no actual sistema, como por exemplo relações sociais ricas, coesão familiar, realização pessoal, tempo de lazer, a qualidade do ambiente. E alguém pode dizer que estas coisas não têm valor?

E um governo esclarecido não pode legislar de forma a favorecê-las? Pode. E deve. Sem beliscar a liberdade individual dos cidadãos. Pelo contrário, amplificando-a.

09 abril, 2007

Mundo pequeno

É engraçado como as coisas são. Ainda este fim de semana no Público li um artigo sobre "home-schooling". Para quem não sabe, é a prática popular entre conservadores religiosos americanos de poupar os seus rebentos à exposição aos males do mundo, como gente que veste calças de ganga rasgadas ou a teoria da evolução.

Normalmente o "home-schooling" é defendido com base na liberdade dos pais de escolherem a educação que querem para para os filhos. Uma coisa que assim de repente até parece justa... se não se pensar muito nisso.

Engraçado dizia eu porque, no mesmo fim de semana, terminei a leitura de "Os autoritários". Entre outros factores, o aumento do homeschooling com o seu efeito isolacionista das ideias e da crítica, era apontado como promotor do aumento das tendências autoritárias e conservadoras (tacanhas, diria eu) no seio da sociedade americana.

Em nome da liberdade, alimentam-se ideias que conduzem potencialmente à opressão.

É um problema que sobressai da leitura da obra, de resto. Os não autoritários, pela sua natureza têm mais relutância em impor as suas ideias aos outros mesmo quando estes não hesitam em silenciá-las.
São obviamente mais tolerantes, e mesmo face a uma ameaça autoritária, tendem a procurar formas não agressivas de reacção, com discussão, debate, consensos. Tudo coisas que são vistas como fraquezas pelo outro lado.

É por isso que, por exemplo nos Estados Unidos, a direita conservadora é (ou era...) vista como organizada e forte, e os Democratas como fragmentados e com falta de liderança.

George W. Bush terá dito uma vez a seguinte "piada": Podemos enganar alguns, sempre. E é nesses que nos devemos concentrar".

Será possivel conciliar um discurso verdadeiramente tolerante, democrata e progressista com a veemência e agressividade necessárias para calar as ameaças autoritárias?

Ou estaremos condenados a ciclos de absolutismo-liberalismo, separados por revoluções mais ou menos violentas?

Não sei...


P.S. Só para avisar que o liberalismo ali não é económico, não haja confusões.

04 abril, 2007

A alma da Europa...

Recentemente, um artigo num daqueles jornais de referência internacionais que eu não leio, mas as pessoas importantes lêem, afirmava que a Alma da Europa era, para traduzir em poucas palavras, o materialismo militante da cosmopolita Londres, por oposição a ideias mais românticas de ideais sociais e políticos, de cooperação e justiça, por exemplo.

No mesmo local onde li a referência a este artigo, alguém dizia que se aquela era a alma da Europa, então ela alimentava-se de crianças pobres, já que os indices de pobreza infantil em Inglaterra ultrapassam largamente as escalas Europeias, aproximando-se mais dos EUA e outros países do terceiro mundo, como o nosso.

Recentemente fiquei também a saber que em Inglaterra, onde a liberdade individual é glorificada por todos os que olham para a Europa continental como o caduco bastião de ideais "socializantes", há uma câmara de vigilância por cada 14 cidadãos.

03 abril, 2007

U de felicidade

Quem me tem lido de há uns tempos para cá sabe que me interesso pela felicidade. Não porque faça questão de ser feliz, coisa que já deixou de me preocupar, mas porque é um tema central à órbita de assuntos recorrentes neste blog, nomeadamente psicologia e economia, e tudo o que está pelo meio.

Em princípio, por exemplo, a teoria económica tenta prescrever as melhores práticas para atingir máximo bem estar das pessoas. No caso da economia neo-clássica assume-se que esse bem estar está directamente associado à acumulação de riqueza e daí o enfoque nos PIBs e no crescimento. Além disso acreditam que quando há muita riqueza em cima ela acaba por cair para baixo, beneficando todos.

Isto revela duas falhas importantes no entendimento da natureza humana. Por um lado angustiam-nos muito mais as perdas do que satisfazem os ganhos. Logo, quem tem riqueza não encara com bons olhos políticas que conduzam à redução do que possuem. Por outro, todos os indicadores de bem-estar ao longo da história apontam para o mesmo facto. As sociedades de hoje, materialmente imensamente mais ricas que as de há 100 anos, não são em média mais felizes.

Isto é mais claro na esfera Anglo Saxónica, onde as sucessivas gerações são menos felizes que as anteriores. Diga-se em abono da Europa (Continental), que os primeiros 50 anos do século 20 foram maus, mas a felicidade dos Europeus aumentou consistentemente no último meio século. Efeitos da UE? Do estado social que tantos querem destruir?

De qualquer modo, um novo dado vem sobrepor-se a estas considerações. A curva de felicidade pessoal é em U. Aparentemente uma pessoa média, inicia a vida adulta num estado de euforia, afunda-se numa depressão que bate no fundo aos 45 anos, e volta a ser gradualmente mais feliz. Explicações para isto ainda não há muitas.

Muito provavelmente, suponho, é provocado pelo contraste entre expectativas e realidade. Nem a vida adulta é tão boa com pensamos aos 20, nem a velhice é tão má como pensamos aos 40.