19 maio, 2010

O problema

Tal como é colocado por Paul Krugman, economista, americano, insuspeito de militar nas esquerdas radicais da Velha Europa, o problema que vivemos hoje é endógeno ao Euro.

Quando foi desenhado, foi-o no pressuposto de que os países aderentes constituiriam "Àrea monetária óptima" e o debate então versava precisamente sobre se haveria forma de ajustamento face a choques assimétricos. Ou seja, em que alguns países são mais afectados do que os outros.

Quando cada país tem a sua moeda, uma das formas de lidar com a situação consiste em desvalorizar. Na ausência deste mecanismo, a única variável de ajustamentosão os salários, baixando-os.
Acontece que isso não se pode fazer de forma arbitrária. Segundo Krugman, seria necessário um abaixamento de salários na ordem dos 20-30% em relação à Alemanha, para países como Portugal, Grécia, Letónia, Espanha, etc.

Let me repeat that:

WAGES IN THE PERIPHERY NEED TO FALL 20-30 PERCENT RELATIVE TO GERMANY.

(...)

Na Letónia, onde foram implementadas medidas drásticas e o desemprego já passa os 20%, os salários baixaram pouco mais de 5%. Quantos será preciso atirar para a rua, sem futuro à vista, para atingir os tais 20-30%?

O Euro precisa de ser reformulado para se manter em existência. O custo social de nos mantermos no Euro com esta configuração pode tornar-se incomportável, e colocar em causa a própria democracia, porque numa democracia dificilmente é possivel implementar as politicas que apaziguam os mercados financeiros, mas claramente não servem as pessoas ou a economia real.

18 maio, 2010

Nós e os Eles

Suponho que seja um dilema mais ou menos constante para quem pensa nestas coisas (o estado do país, da sociedade, da Europa, do Mundo). Onde é que podemos deixar de dizer e assumir que temos culpa, responsabilidade, e passamos a apontar o dedo aos "outros". Os proverbiais "eles" das conversas de café.

É inegável que há uma dimensão colectiva nas nossas existências. Nós, enquanto país, nação, povo, temos tido dificuldade em encontrar formas de assegurar minimos decentes de sanidade política, social e económica. Mas quando debatemos estes assuntos, com frequência atribuímos a culpa dessa incapacidade a "eles". "Eles" são os que detêm o poder político e económico, os que detêm a capacidade de fazer, decidir, agir a níveis que afectam muitos, ou todos.

É culpa nossa, em boa medida, que "eles" exerçam esse poder de forma distorcida, discricionária, para provento de poucos, à custa de todos. É culpa nossa, porque "Eles" não o fariam dessa forma se não o pudessem fazer com a impunidade que a nossa complacência, resignação e em certa medida cumplicidade lhes permite.


Hoje de manhã ouvia a eurodeputada Ana Gomes falar sobre a Grécia. Lá vive-se um enorme tumulto social e político. A voz oficial dos media diz: Os Gregos andaram a viver acima das suas possibilidades e, ainda mais, aldrabaram as contas que tinham que prestar ao Euro: ou seja, foram gastadores e fraudulentos.

Neste caso, o "Nós" grego está condenado a uma sessão pública de auto flagelação pelos seus pecados por muito e maus anos.

Mas nesta história também há "Eles" gregos. Os gastos excessivos do governo grego têm correlação com contratos multimilionários feitos com recurso a luvas, corrupções diversas e compadrios múltiplos. Quem envolvem equipamentos para os Jogos Olímpicos, material militar diverso, etc etc.

"Eles" são todos os decisores que traíram a confiança do povo grego, abusando das suas posições para fazer negócios ruinosos para provento próprio. (Não sei como é na Grécia, mas cá todos sabemos de que tipo de pessoas falamos e é vê-los a saltar de partidos para empresas e vice-versa).

Mas "Eles" também são os decisores alemães. Que do outro lado da mesa de um corrupto, há um corruptor. E muitos daqueles contratos multimilionários foram feitos com empresas alemãs, que estão sob investigação na Alemanha.

A Alemanha, no entanto, pela voz dos seus dirigentes trata a Grécia como uma espécie de indigentes terceiro mundistas que não se soube governar, mesmo com estes processos a decorrer internamente.



"Nós", temos uma responsabilidade individual, mas a maior parte de "Nós" pode quando muito dar um bom exemplo a meia dúzia de pessoas, ajudar de forma solidária mais umas quantas, podemos ser honestos e exigir honestidade em nossa volta. Mas o nosso poder de exigir esbarra frequentemente muito perto, por vezes logo nas relações de trabalho, por exemplo.

Logo aí, se calharmos a ter azar com o superior ou o patrão, já somos reféns da nossa própria subsistência. Se de nós dependem outros então a vulnerabilidade é ainda maior. E logo aí há uma relação de poder assimétrica. "Ele" põe e dispõe.

Apontar o dedo a "Eles" não é descartar a nossa propria responsabilidade, não é uma desculpa nem um acto de resignação. Provavelmente, é a única forma numa sociedade democrática e funcional de colocá-"los" em cheque. De "Os" lembrar de que o poder que têm e que tão mal usam lhes pode ser tirado se abusarem, se esticarem a corda e se insistirem em ser indiferentes às consequências dos seus actos.

A insistência na responsabilidade individual, em que cada um tem que cuidar de si e só de si, é o alibi que "eles" usam e que mais lhes convém.

É afinal é o truque mais velho do mundo: dividir para reinar.

17 maio, 2010

Ministro da Constituição

Hoje ouvi na rádio que Luis Amado, um tipo que já não tinha as minhas simpatias enquanto titular dos Negócios Estrangeiros por causa do comportamento vermiforme relativamente aos famigerados voos da CIA, ao que parece, acha que Portugal devia inscrever na Constituição um limite para o déficit. Que daria um bom sinal aos mercados.

Bem... não vou repetir o que disse no post anterior relativamente aos mercados e a quem fala por eles. Mas inscrever um valor completamente conjuntural na constitução, parece-me ser das coisas mais idiotas que já ouvi.

O déficit de 3% máximo de que normalmente se fala, é um valor escolhido quando da instituição do Euro como razoável para uma politica monetária estável. Pressupõe simplesmente que os Países devem crescer 3% e assim tudo se equilibraria. O crescimento do PIB, compensaria o deficit.

É 3, como podia ser 0 ou 5. Um politico a sério, informado por economistas a sério, saberia que o déficit não é uma mera consequência de politicas públicas, é um instrumento de politica, usado para refrear ou estimular a economia.

A seguir, vem o quê? Colocar na constituição um valor para o IVA, para o IRS e para os bilhetes da Carris?

14 maio, 2010

É a p... da loucura.

Vamos lá a começar pelo princípio, ou pelo menos por um meio razoável. Há um par de anos o mundo estava para acabar porque havia umas agencias de rating que classificaram de forma errada uns produtos financeiros. Os tais créditos “sub prime” que estavam espalhados por múltiplos fundos por todo o mundo.

Ou seja, por incompetência ou fraude, essas entidades foram co-responsáveis pela crise, em conjunto com os bancos que tiveram a brilhante ideia de inventar aqueles produtos.

Como consequência da crise, tivemos personagens como Alan Greenspan a dizer que aquilo em que acreditou toda a vida de economista, estava errado. E tivemos uma data de gente a engolir umas melhor outras pior o que tinham dito ainda na semana anterior.

Ou seja, assistimos a um episódio em que foi posta em causa quer a idoneidade dos agentes financeiros, quer a própria teoria económica dominante em que se basearam a maior parte dos decisores económicos e políticos do Ocidente nos últimos 20 anos.

E dois anos depois, é como se nada disso significasse fosse o que fosse. Uns tipos que deviam estar no desemprego, ou na prisão, tecem considerações sobre a credibilidade de países, e os nossos politico tremem. E depois os nossos políticos correm a executar “soluções” que têm como pressuposto a tal teoria económica que demonstradamente causou a crise.

Se isto não acabar com uma explosão qualquer de irracionalidade colectiva, porque só a loucura parece fazer sentido face à loucura, teremos mais sorte do que merecemos.