Aqui há uns tempos estava a ter uma conversa da treta com um amigo, e começámos a falar dos direitos de propriedade. Sem nenhum de nós ser jurista, considerámos na altura o absurdo de alguém reclamar propriedade por um pedaço de terra.
Afinal, aquela terra, aquele lugar, está ali há milhões de anos. A que título alguém clama como propriedade sua algo cuja existência tanto o transcende?
Claro que esta questão pode ser traçada até ao território de caça dos animais. Também eles os defendem como seus, com a própria vida, porque deles depende a sua vida. Ainda assim, se excluirmos o uso da força, pouco parece legitimar a posse de recursos naturais.
Os exemplos das aldeias comunitárias que partilham pastos, terrenos de cultivos e água, de forma sustentável, não são curiosidades etnográficas, eram a regra na idade média, tanto na Europa do norte como do sul.
Claro que vinha um senhor feudal, partia umas cabeças e reclamava a terra como “sua”. Mas só era “sua” até outro senhor feudal vir e por sua vez partir a cabeça do primeiro.
Essa posse reclamada da terra, apenas servia para carregar quem de facto pertencia àquela terra com o peso de um imposto, lucro, muito para além do que a subsistência exige, e afrontando a sustentabilidade. Além de pagar pelo seu bem estar, o trabalho dos aldeões também tinha que custear os palácios, os exércitos, as extravagâncias e todo o resto.
Não creio que seja abusivo extrapolar da aldeia medieval para a nossa aldeia global.
Há quem defenda que a única forma de preservar recursos naturais é torná-lo posse de alguém que lhes atribui um valor e deles tira rendimento. O mercado é a solução para tudo.
Talvez por isso, lá por 1996, o Banco Mundial condicionou o apoio financeiro ao abastecimento de água da municipalidade de Cochabamba, a terceira cidade da Bolívia, à sua privatização. Relutantemente, mas face à impossibilidade de conseguir outros recursos, o abastecimento de água por 40 anos foi atribuído por 20 000 dólares à Bechtel, uma multinacional com base na Califórnia. Quase de um momento para o outro, famílias que ganhavam 100 dólares por mês viram-se confrontadas com facturas de água de 30. Isto levou o povo para a rua, seguido da policia, do gás lacrimogéneo, e finalmente de 6 mortos e perto de 200 feridos, nas semanas seguintes. Eventualmente, o governo recuou, e a multinacional também.
Depois, eventualmente, o ditador apanhou cancro, e houve eleições e ganhou Evo Morales. Mas isso é outra história.
Quanto a Cochabamba, para se ter uma ideia do que estava em causa, o contrato de 40 anos previa lucros de 16%/ano, e proibia os cidadãos de construir tanques e reservatórios para acumular água da chuva.
16 novembro, 2006
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2 comentários:
Esse post parece-me muito pouco isento (muito Moralizado, dir-se-ia). Dá ideia que só apresentas um lado da história. Quem te diz a ti que não se trata de um dos mais puros e legítimos exemplos (quiçá até o único) de fair trade? Quem te diz a ti, por exemplo, que esse contrato de 40 anos não inclui um monte de cláusulas a proibir os desgraçados dos accionistas da Bechtel de aplicarem os seus dividendos na construção, melhoramento ou aprofundamento de piscinas?
Quanto ao novo visual do blog, só encontro um adjectivo: gostei.
É verdade. Piscinas e campos de golfe... como não me ocorreu?
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