Como anunciado no post anterior tive como leitura de férias o livro “breaking the spell” de Daniel Dennett.
A tese do livro é simples. Propõe que se olhe para o fenómeno religioso como se olha para qualquer outro. Sem medo de perguntar, porque para muitos perguntar já é ofender, duvidar já é o demónio a agir.
Independentemente das conclusões do livro, que ainda não li porque ainda vou a meio, uma coisa me parece desde já clara: a memética tem pernas para andar.
E o que é a memética? É a genética das ideias, tal como foi proposto por Richard Dawkins no seu seminal “O Gene Egoísta”.
Uma ideia tem a capacidade de criar cópias de si mesma, ao ser transmitida de cérebro para cérebro, de livro para livro, de geração para geração. Compete com outras ideias por nichos de conhecimento, dando resposta, determinando comportamentos, proporcionando estímulos etc. Da mesma forma que olhamos para a evolução biológica, podemos olhar para a evolução da cultura. Trata-se de transmissão de informação, essencialmente.
No caso da religião a comparação é melhor feita com os animais domésticos. Há uma origem selvagem, biológica se quisermos, evolução natural, que depois é substituída por uma “domesticação” selecção artificial. Elementos psico-sociais primevos foram sendo apurados, misturados, mutados, e depois seleccionados e apurados até chegarmos às instituições que conhecemos hoje, ou às milhares de seitas que não conhecemos mas que sabemos que estão por aí.
Ninguém que saiba um pouco de geologia e que perceba que a Terra tem mais de 6000 anos, acredita que a ideia de Deus tal como a entendemos hoje surgiu assim, algures no passado, e inalterável se manteve através dos tempos.
As diversas religiões foram competindo, adaptando, foram-se extinguindo, até chegarmos ao que temos hoje que é diferente do que termos daqui a umas centenas de anos.
Um argumento que surge com frequência, e que eu próprio partilhei, é o de que mesmo que não acreditemos, a religião é benévola para a maior parte das pessoas. Dá-lhes sentido, valores, esperança, coisas que não teriam sem uma ideia de Divino.
As suas vidas seriam vazias e desesperadas.
Reconheço hoje que é uma visão paternalista, de sobranceria intelectual. "Eles que são fracos, que não conseguem entender o mundo de outra maneira precisam de religião".
Não precisam. Precisam sim, e apenas, de perceber como funcionam as religiões, da mesma maneira que precisam de saber como funcionam os outros fenómenos naturais que os rodeiam. E precisam de perceber que viver uma vida boa e moral depende apenas de nós.
12 setembro, 2006
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
6 comentários:
olá l. rodrigues,
Bem retornado. sobre isto, a minha referência ainda é Edgar Morin (O Paradigma Perdido), que considero ter feito a melhor síntese científica sobre o evolucionsmo... sem desfazer do teu filósofo.
Tem piada que fiz há pouco um comentário no "defender o quadrado" (blog com algumas "pontes" com o teu) que vai exactamente neste sentido.
Abraço. Fazias falta
Caro Vasco,
De Morin, atirei-me a ler o Discurso do Método... O Paradigma Perdido era um livro de referência mas confesso que a exacta tese já se me perdeu na memória... tenho de recapitular..
Bem Vindo, caro António.
E obrigado pelo comentário.
Aliás, O Método, já que o discurso pertence a Descartes, é bom de ver....
Bah, tanto tempo de férias e só leste metade... ;)
Estive com os meus sobrinhos a maior parte do tempo...
Meu Caro L.Rodrigues:
Nada como umas férias para fazer germinar o optimismo. Claro que viver uma vida moral depende apenas de nós e nem outra coisa defendem as Religiões que não aceitam a Predestinação. Acreditar que nos bastamos para uma vida boa é que me parece abstrair do que o Homem é. Todas as vidas boas são morais, há muitas vidas morais que estão longíssimo da bondade. É aí que entra a Revelação, para um crente. E como o sou, julgo que a surpresa angustiada do futuro momento do encontro, para Os que não têm Fé.
Abraço.
Enviar um comentário