28 março, 2006

Está um belo tempo, para a época.

Quando não há mais assunto, fala-se do tempo. Neste caso não do tempo dimensional ou filosófico, mas da chuva e do sol e da temperatura.

Já toda a gente de bom senso percebeu que as coisas não são o que eram. Fala-se de aquecimento global. No nosso cantinho vivemos uns verões quentes e pouco revolucionários, e ora chove ora não. Se nos dissessem que é tudo normal até acreditávamos. Mas depois há os ursos polares com cada vez menos branco para se esconderem, e icebergs do tamanho da península ibérica que se soltam... e interrogamo-nos se isto não vai mesmo de mal a pior.

Os que negam que o factor humano esteja a influenciar esta mudança, dizem que não, não pode ser, como é que nós na nossa insignificância podemos causar mudanças à escala planetária? Aquecer oceanos inteiros? Grandes malucos...

Nas palavras de alguém, essas pessoas são as mesmas que diziam que o tabaco não provoca o cancro.

Infelizmente, entre esses temos contado com o governo dos EUA. Numa peça recente do programa 60 minutos, o climatologista James Hansen, um dos maiores especialistas mundiais, denunciava a forma como os seus relatórios (ele trabalhava para a NASA, um ramo do Pentágono) eram censurados pelo responsável da Casa Branca para as questões ambientais.

Desde o protocolo de Kyoto que a posição oficial dos EUA é de que não se sabe o suficiente sobre o assunto por isso tudo o que se faça é especulativo. Mas a verdade é que se sabe mais do que o suficiente sobre o assunto. O tal responsável da Casa Branca, que riscava e reescrevia os relatórios do referido cientista, é advogado de formação, e antes de ter aquelas funções, fazia lobby para as industrias petrolíferas. E de repente faz-se luz.

Apenas para termos uma ideia da influência das pessoas no clima, um estudo recente efectuado na Holanda sobre a chamada “mini-idade do gelo” ocorrida por volta de 1300 indica que esta pode ter acontecido por um decréscimo acentuado de actividade humana, já que foi coincidente com a epidemia de Peste Negra que vitimou cerca de 2/3 da população europeia. Foram precisos cerca de 250 anos para restabelecer a população, e durante esse tempo houve uma reflorestação natural de toda a Europa.

O que está em causa é parar antes que seja tarde demais. Há um limiar de temperatura para além do qual uma série de reacções em cadeia tornam o processo exponencial, se não irreversível.

E se o problema é não termos a certeza absoluta do que é tarde demais, penso que é preferível não descobrir.

26 março, 2006

O eixo do mal

Estava eu a ver o homónimo programa na Sic Notícias, coisa que não tenho por hábito, quando o assunto passou para a abaixo referida questão francesa, da tal lei do trabalho.
Foi com consternação que vi que de entre 5 supostamente inteligentes, informados e normalmente, contestatários participantes apenas um mostrou um discurso sobre os acontecimentos que se afastava do mantra oficial sobre o assunto.

Os "direitos" dos trabalhadores, passaram a chamar-se privilégios. A "economia actual" apresentada como uma inevitabilidade dos tempo, uma força maior do que qualquer outra. Foi dito que a única maneira de ser competitivo é "oferecer produtos mais baratos" etc etc.

Há um movimento mundial na economia que visa transferir riqueza do domínio publico para o domínio privado, e dentro deste para os accionistas e quadros superiores. É tão simples como isso. E isso implica menos impostos para os mais ricos e menos capacidade politica e económica para os mais pobres, entre os quais cada vez mais se inclui o que era chamado a classe média.

Chamo a atenção para este artigo (em inglês), que conclui desta maneira: "Nesta perspectiva, o que em França pode parece uma defesa estéril de uma ordem social e económica obsoleta, pode bem ser interpretado como um apelo premonitório para um novo, mas humano, modelo que o substitua. Pode ser a oportunidade da Europa. "

20 março, 2006

outros Katrinas

Este fim de semana, houve umas manifestações em França. Todos vimos imagens na televisão de uns jovens à pedrada à polícia, uns carros a arder, os números de uma centena de prisões, e uns quantos feridos.

O que está em causa é uma lei de trabalho que permite qualquer jovem com menos de 26 em primeiro emprego ser despedido, sem nenhuma causa, nos primeiros dois anos.

É suposto com esta lei facilitar o emprego jovem, do qual se diz que há uma crise em França.
Ao que parece há quem acredite que se criam postos de trabalho se for mais fácil despedir pessoas.

A análise da situação é muito interessante mas tem que se ter cuidado. Se se ler os jornais internacionais nas suas páginas de economia, podemos ver coisas como: 20% de desemprego nos jovens em frança... leis modernas a serem boicotadas por uma visão esclerosada do mercado de trabalho, que se quer flexível e ágil, as doenças da Velha Europa... do estado social etc etc etc.

O primeiro facto prende-se com aquele número. 20% dos jovens sem emprego, mas esse número para ser encontrado tem que se excluir todos os jovens que estão a estudar... ou seja, o número real é de 7,8. Em Inglaterra é 7,4 e ninguém diz que lá há um problema de emprego da juventude. A França pode muito bem estar melhor do que eles próprios pensam, afinal.

Mas o mercado de trabalho quer-se flexível, ágil. O paradigma apontado é o anglo saxónico. Nomeadamente o Americano. Nomeadamente na sua versão "Nova Economia", em que tudo acontece muito depressa, onde se valoriza mais o potencial do que a experiência.
Uma pessoa tem que estar sempre pronta a largar tudo para mudar e acompanhar os tempos. O trabalhador modelo, é um jovem cheio de cafeína, que trabalha 18 horas por dia, cheio de entusiasmo e que tem por ambição reformar-se, rico, aos 40. Se pretende ter uma família, dar-lhe atenção, e garantir o seu sustento, pode considerar-se desde já obsoleto.

Um jovem francês com esta lei, estará automaticamente impedido de comprar casa, de contrair empréstimos, de começar a sua vida, ao fim e ao cabo, que é o que o primeiro emprego é suposto ajudar a fazer.
Eu até aceito que o meu patrão pense assim. Afinal, é melhor para ele, e para se ser patrão não se tem que dar provas morais... Já o meu primeiro ministro, não aceito. Por isso é fácil compreender os franceses.

Hoje lá, amanhã aqui... Por isso, quando lerem sobre França, desconfiem quando disserem "lá estão os Franceses, agarrados aos seus privilégios, ignorando os ventos do progresso que varrem todo o mundo"

Como um furacão.

14 março, 2006

Ofereço a um poeta.

Comecei a pensar na natureza do Tempo, a propósito de algo que li num blog amigo, e cheguei a isto:

O Tempo é aquilo com que se compra o Amor.

Se fosse um poeta, faria um poema. Não sendo, fica aqui a oferta.

Gestão da fúria

Podia ser o título de um filme.
Mas é um estado em que me encontro com cada vez mais frequência. Para onde que me volte vejo sinais do mesmo estado de coisas. Não importa se olho para longe ou perto.

Está tudo errado. Dantes os políticos e visionários prometiam-nos um mundo melhor. E nós acreditávamos que era possível construir um mundo melhor. Nós, as pessoas, que eu já não nasci com idade para ser sonhador. Hoje já ninguém fala disso.

O combate à fome, transformou-se na tentativa de controlar a produção de comida no mundo inteiro, pelas empresas que controlam o mercado das sementes geneticamente transformadas.

A guerra, não dá sinais de abrandar. Só o orçamento de um ano do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, corresponde a mais de 20000 euros por dia, desde o nascimento de Jesus Cristo.

Os movimentos que no virar do século vinte, e depois, foram instaurando alguma justiça nos países industrializados, estão hoje esquecidos e as suas conquistas são vistas como obstáculos ao progresso.

Os governos que elegemos são reféns de uma ideologia, disfarçada de teoria económica, em que os mercados são mais importantes do que as pessoas. Quando bastava olhar um pouco para a história, para ver que quando as pessoas estão bem, os mercados florescem.

Até aqui neste cantinho, podemos ver o que isto significa, quando ouvimos os bancos a anunciar lucros recorde (quando só se fala de crise), e uma semana depois, a anunciar reduções de pessoal para garantir aumentos de lucros.

Sem justiça não há paz, dizia o velho slogan.

Ontem passei algumas horas de insónia, sem paz, a pensar nestas coisas. Vejo. todos os dias e demasiado perto, a classe dos que beneficiam com a injustiça. Tenho que fazer alguma coisa. Escrever isto, por exemplo.

06 março, 2006

SMS Porno

Sempre tive um interesse distante pela política, economia e afins. Tão distante que quase se poderia confundir com desinteresse. Só muito recentemente tentei perceber para além do básico que nos ensinam, mal, nos liceus, e do que se vai percebendo, ainda pior, nos diversos meios de comunicação.
Afinal, ao fim de algum tempo, começamos a tentar perceber porque raio não saímos nós da cepa torta. O discurso dos sacrifícios agora, para colher os frutos depois, é ciclicamente ouvido desde que a política passou a ser pública, uns tempos depois do 25 de Abril, e até agora: nada.

Tenho a impressão de que Portugal foi apanhado numa encruzilhada, e que vai ser complicado sair dela se não percebermos no que estamos metidos. Esta encruzilhada é a da nossa história enquanto país, e a da história do mundo, que não esperou por nós enquanto estivemos entretidos com os nossos botões nos últimos 50, ou 500 anos.

Para todos os efeitos práticos, Portugal pouco tinha ido além da Era Medieval, em 1974. Nessa altura, a nova liberdade abria a possibilidade de finalmente estugarmos o passo e tentarmos aproximar-nos do mundo civilizado e moderno. Havia que investir em educação, em infraestruturas que possibilitassem desenvolvimento, na saúde e tudo o mais que é a base de um mínimo de qualidade de vida. E havia que criar nas pessoas a ideia de cidadania e responsabilidade.
Afinal, tinhamos andado 500 anos, pelo menos, a deixar que o senhor regedor, o senhor padre, o senhor doutor, e o senhor rei, ou ministro ditador iluminado, decidissem por nós, que eles é que sabiam e tinham os estudos. Anos em que nos obrigaram a acreditar que não vale a pena esforçarmo-nos, porque quem nascia rico, pobre ou remediado, morria rico, pobre ou remediado.

Tinhamos então a oportunidade de nos transformarmos, na falta de uma palavra melhor, numa democracia. Um país em que cidadãos esclarecidos e empenhados, delegam o seu poder num grupo destinado a assumir o cargo da governação.
Uma coisa destas não acontece da noite para o dia. Se se fizer tudo certo, talvez numa geração isso seja possível. E agora, seria a altura de começar a ver essa transformação tomar forma.

Mas é aí que a história nos trai. Estávamos nós a começar a encetar um caminho (ou pelo menos a tentar descobri-lo), e eis que o mundo arranca no caminho oposto. Encetava-se um movimento que viria a chamar-se globalização. À primeira vista parecia uma coisa nova e fantástica. Uma observação mais atenta revela que não é nova e, pelo menos até ver, não é fantástica. Cavalgava numa ideologia económica que exige que o mercado seja o fiel de todas as balanças, e que os Governos se demitam do seu papel de instrumento de bem estar do povo que os elege.

Para nós, resumiria as suas consequências nisto:
Quando Portugal precisava de fazer cidadãos, desatou a fazer consumidores.

Eduardo Prado Coelho uma vez escreveu na sua coluna que passámos para o pós-modernismo, sem passarmos pelo modernismo.
Na minha cabeça, a imagem que traduz isso é a da mão que larga a enxada, para pegar no telemóvel. Portugal era um país rural cheio de iletrados e ainda mais analfabetos. E passou a ser um país que não sabe bem o que é, cheio de iletrados e um pouco menos de analfabetos.
E ainda gasta o pouco dinheiro que tem em coisas que não servem para nada.

Lembro-me de quando apenas tínhamos dois canais de televisão, em muitas partes do país apenas um, e as pessoas faziam tudo e mais alguma coisa para não pagar a taxa de televisão. Eram uns 500 escudos por ano, ali por 1980. Dois Euros e Meio, para os mais novos.

Hoje sem piscar os olhos, paga-se meia dúzia de contos por mês por um mau serviço por cabo. Troca-se de telemóvel (um dos vários que se possuem) todos os anos. De caminho, ligamos para o XXXX e recebemos umas mamas no ecrã do telemóvel, também disponíveis em filme. E engordamos, finalmente. Com comida que não produzimos.

Somos consumidores portugueses.
A cidadania, a democracia, a responsabilidade, fica para depois, talvez.
Até porque agora é que não interessa de todo. Há que satisfazer os accionistas.

Fomos apanhados em contra pé. E os espertos e armados em espertos que sempre se safaram, em vez de serem confrontados com uma nova classe de cidadãos prontos a questionar tudo e a decidir pelo bem de todos, prosperaram como nunca.

Isto tudo podia ser resumido no seguinte: há uma ideologia e ciclo económico global que tende a acentuar as desigualdades. E o nosso país, quando precisava de emergir da profunda desigualdade em que viveu quase toda a sua história, chocou contra estas forças, sem ter qualquer hipótese de reagir, por falta de estrutura.

A minha única esperança reside no facto de o fenómeno ser global. Assim, talvez povos mais empenhados e participativos dêem um exemplo que possamos seguir.

01 março, 2006

Kerala

Quando primeiro ouvi falar de Kerala, há mais de dez anos, pensei que se tratava de uma curiosidade antropológica, como as aldeias comunitárias que o Salazarismo submergiu. O que eu sabia é que dentro da Índia havia uma ilha de bem estar. Uma população alfabetizada, saudável, e com uma esperança de vida bem superior ao resto do país. Guardei num cantinho do cérebro e não pensei muito mais nisso.

Venho mais tarde, recentemente, a descobrir que Kerala é um estado indiano com 30 milhões de habitantes, com um rendimento per capita que é 2/3 do resto da Índia, mas onde os níveis de saúde e educação rivalizam com, por exemplo, os Estados Unidos mas com 1/70 do orçamento. Tudo terá começado ainda no século 19, quando o governo Britânico deixou os Rajahs locais delinearem a administração do território. Foi nessa altura encetado o que seria um modelo de desenvolvimento planeado e sustentado que dura até hoje.

O resultado é uma esperança de vida 12 anos superior à do resto do pais, níveis de alfabetização nos 90%, a convivência pacífica de 3 religiões, uma taxa de crescimento populacional controlada, onde as famílias têm em média 2 filhos.

Kerala paga o preço da sustentabilidade com uma elevada taxa de desemprego, já que os seus requisitos laborais e ambientais afastam as mais diversas indústrias de se instalarem no território. Por outro lado, isso é compensado pela taxa de sucesso dos seus emigrantes, que remetem importantes quantias para o território.

Kerala recebe a atenção dos que olham para o seu caso como um exemplo que bem poderia ser replicado em muitas outras partes do mundo, mas também dos que esperam a sua falência para demonstrar que tais modelos são romantismos insustentáveis.


Aqui está um artigo que desenvolve o tema.