Há uns anos, Visahs, um clérigo morto-vivo costumava aventurar-se com os seus companheiros de Guilda, enfrentando monstros, procurando tesouros, e divertindo-se.
Quando havia tesouros para dividir, tirava-se à sorte. Quando alguém se escusava de participar do sorteio, Visahs lembrava sempre:”Se cada um cuidar de si, é melhor para todos.”. E chegava a ficar genuinamente irritado quando alguém, como o guerreiro Bonesnap, este vosso criado, sistematicamente declinava participar da partilha dizendo “Passo”.
Para quem achar que me passei de vez, tudo isto se passava no universo virtual de World of Warcraft. Nunca conheci o jogador por trás de Visahs, mas é bom de ver que acreditava devotamente no poder da mão invisível.
Mas esta não foi a minha experiência mais marcante no mundo dos Jogos para múltiplos jogadores online. Essa está reservada para um jogo mal sucedido chamado Jumpgate. Uma espécie de star wars, mas em que 3 facções competiam entre si pelo domínio do espaço conhecido, e todas contra um alienígenas cor-de-rosa com ar de moluscos.
Este jogo tinha dois servidores, um europeu e outro norte-americano, independentes. Formavam assim duas comunidades que usavam recursos idênticos de forma muito diferente. O servidor americano era conhecido por ser muito competitivo, agressivo, e uma quantidade infinda de recursos era necessária para alimentar aquele estilo de jogo. Assim a “economia do jogo” estava sempre a ser alimentada artificialmente pelos gestores garantindo que todas as naves e equipamentos estavam permanentemente disponíveis para todos. Se isso falhava, surgia logo um coro de protestos.
O servidor europeu era bem diferente, havendo bastante conflito, os europeus tinham um grande prazer em cooperar para gerar e gerir internamente os recursos, aceitando com naturalidade os períodos de escassez que aconteciam depois de um conflito em larga escala, e cooperando, mesmo com inimigos, por vezes, para restabelecer níveis mínimos de prosperidade económica.
Imagino que isto seja tudo um pouco abstracto para quem não está familiarizado, mas acreditem que é uma bela metáfora para o que são as sociedades, e os mitos de um lado e outro do atlântico.
Mas Jumpgate ainda tinha algo maior reservado. Entre os jogadores, havia alguns com estatuto especial, voluntários que ajudavam a criar eventos, lidar com a comunidade, etc. Em dada altura um desses jogadores, na sua vida real, teve diagnosticado um cancro. Pelo Sistema de Saúde inglês, o tratamento que o poderia salvar não lhe podia ser facultado gratuitamente e ele não tinha pura e simplesmente os meios para o pagar.
Isto espalhou-se entre a comunidade, e não demorou muito que se criasse uma conta para recolhas de fundos. Eventualmente o dinheiro suficiente foi reunido e mais tarde soubemos que o tratamento tinha tido sucesso.
Desde então passei a ver com outros olhos estas comunidades virtuais. Pessoas que apenas se conheciam de um ambiente competitivo, em que o objectivo era superiorizarem-se numa espécie de guerra virtual, que usavam linguagem agressiva para insultar adversários ou humilhar, não hesitaram chegada a hora, em fazer tudo ao seu alcance para salvarem uma vida que nem conheciam.
“Se cada um cuidar de si, é melhor para todos”? Não me parece nada.
6 comentários:
neste caso e ao contrário da letra .. virtual sanity? :)
Até eu, que o Luís considera um moycano (não o primeiro nem concerteza o último) na defesa da individualidade extrema), sou mais pela sanidade virtual ou não. Cada um cuida de si? Também não me parece. Devo estar a ficar velho...
Mike...
individualidade extrema, tu?
Devias andar aí pela blogocoisa a ver o que é... Tu és quase um Hippy comparado com alguns.
Sou quase (usando palavras tuas) mas já fui. Woodstock, Che, Sympathy for the Devil, enfim, make peace not war. :-) Bom feriado Sr. Luís.
Hmmm...O teu nome ao contrário é Pansnobe..eh, eh...
O sentido de humor é sempre bem vindo e quando é acutilante ainda melhor. Estou quase tentado a mudar de Mike para... Pansnobe. Gostei.
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