14 junho, 2007

“Liberdade” e “igualdade”

O antagonismo entre liberais (económicos) e qualquer outra visão com maior componente social, é normalmente caracterizado por aqueles em termos de "liberdade" versus "igualdade".

O esquema é simples, todos queremos ser livres, e nenhum de nós quer ser mais um, igual, no meio de muitos, por isso é fácil conseguir uma adesão emocional imediata a este pressupostos. Mesmo sendo completamente falaciosos.

Qualquer pessoa que fale responsavelmente de igualdade sabe que não se trata de igualdade no final, todos vestidos de túnicas azuis, já que a variabilidade da experiência humana torna isso impossível, mas sim de uma igualdade a priori, nas oportunidades.

Um estudo recente demonstrou em Inglaterra que as crianças mais pobres, (20% em Inglaterra, como cá...) quando entram para a primária já levam um considerável atraso educacional e social, em relação à classe média.
Para um liberal, a culpa é dos pais, que são pobres. Mas para um liberal, haver pobres é uma consequência natural de haver ricos. E é melhor haver alguns pobres, do que não haver ricos. Mas se perguntarmos quantos pobres é razoável haver, e quando é que é legitimo dizer aos ricos que já chega e está na hora de partilhar um pouco isso, a resposta é “nunca” porque a liberdade está primeiro, e isso seria tolher a liberdade do rico.

O que nunca pode acontecer para um liberal, é a sociedade reconhecer que há uma desproporcional distribuição de recursos, fruto de assimetrias nas relações de poder, e obrigar a que parte desses seja conduzido para atenuar as desigualdades, proporcionando educação, saúde e segurança aos menos afortunados (Porque é de sorte que se trata, ninguém escolhe a condição do seu nascimento) Isso seria um atentado à “liberdade” de cada um.

Um outro argumento é que as sociedades menos igualitárias têm um melhor desempenho económico. Isto já seria um mau argumento, porque significava que se assumia que é bom haver pobres para os ricos poderem ser mais ricos, já que a redistribuição da riqueza não acontece.
Nem isso sequer é verdade. Por um lado, podíamos dar o exemplo nórdico, mais igualitário, e compará-lo com uma Argentina. Ou podíamos comparar a Noruega com a Venezuela pré-Chavez, ambos com petróleo...

Mas não é preciso no entanto usar estes exemplos carregados. Basta olhar para os Estados Unidos nos últimos 60 anos, e ver a diferença entre os primeiros 30 e os últimos 30. A produtividade no primeiro período, de maior igualdade, é em média 0.6% maior do que no segundo. E se for corrigida para “produtividade útil” (que se traduz em nível de vida) é superior em 1,3%.
Mais desigualdade não significa uma economia mais vibrante.

Por fim, ficou-me na memória, mal, algo que li num blog. “Mesmo que o liberalismo economicamente fizesse toda a gente miserável, seria preferível.” Não sei que espécie de liberdade estes liberais acham que um miserável tem. Experimentem não ter trabalho, não ter que comer, não ter o respeito dos outros, não ter futuro, nem esperança, não ter dignidade, e vão ver a vontade que têm de sorrir e dizer “Ah... Mas sou livre!”.

12 comentários:

CPrice disse...

“Não se deve dar o peixe aos pobres mas ensiná-los a pescar. As duas posturas, dar o peixe ou ensinar a pescar são geralmente colocadas de forma excludente. Deve-se dar o peixe e concomitantemente ensinar a pescar! Quem tem fome, quem não tem nem os seus "direitos animais" assegurados não consegue levantar a vara nem entender as instruções para a pesca” – Oded Grajew
atrevo-me a acrescentar .. de que serve ser livre se nem pescar se consegue.

Mais uma brilhante abordagem L.rodrigues.

L. Rodrigues disse...

Como dizia o professor Bruto da Costa numa recente entrevista: "De que serve dar a cana a quem não tem forças sequer para chegar ao rio?"

CPrice disse...

de facto .. daí que todas as "utopias magnificas" esbarrem no betão da necessidade imediata .. essa sim tem de ser satisfeita, em nome da sobrevivência.

L. Rodrigues disse...

A tensão fica entre os que acham que essas necessidades devem ser satisfeitas ao sabor da generosidade dos afortunados, ou serem mecanismos institucionais e sociais. Eu, como é claro, sou pelos segundos.

CPrice disse...

eu também .. mas a utopia seria um consenso entre ambos .. eu disse .. utopia ! ;)

Anónimo disse...

Eu sou um convicto e confesso admirador da clareza e escrita cristalina do l. rodrigues e, porque não dizê-lo, das opiniões da, para mim desconhecida, once in a while. Nesta matéria, e porque não confessá-lo também, tenho opiniões no mínimo contraditórias para não usar outra palavra. Antes de mais, e aqui vai outra confissão (sorry Luís, não te estou a tomar pelo pároco de Alvalade): sou um adepto do liberalismo (o Luís já sabia). Compreendo, aceito e até concordo com o que foi escrito e respectivos comentários, mas há termos que são usados na prosa que me deixam de pulga atrás da orelha, para não dizer desconfiado. Um deles, quiçà o que para mim é o mais revelante e suspeito é "desafortunados" (ou o inverso, "afortunados"). Pela lógica vou considerar-me um "afortunado". Curiosamente, e também pela mesma lógica, comecei por ser um "desafortunado" em tempos que já lá vão e por razões históricas, sociais e familiares que não importa detalhar. Comecei a trabalhar (eu e muitos) aos 15 anos, trabalhei para pagar o meu curso, cresci sem um pai presente porque (o que sempre admirei) se recusou a ficar em Portugal a carpir mágoas lá para as bandas do Rossio nos idos anos 70 e por aí adiante. E agora querem que eu partilhe o pouco que consegui juntar (e não se leia juntar e apenas se associe a bens materiais) com alguns inúteis que nada fizeram nem querem fazer por eles e pelas suas famílias. Confesso, e pela última vez, que acho duro, muito duro. Mas entendo o que dizes. Abraço.

L. Rodrigues disse...

Mike, tu vives do teu trabalho e pagas os teus impostos.
Mas a questao são os que não fazem nem uma coisa nem outra.

Casos de gente que vence adversidades, contra tudo e contra todos não faltam, devem fazer-nos reflectir. São excepções, e arriscaria dizer que quase sempre alguém lhes deu qualquer coisa que os outros (menos afortunados) não receberam. Não dinheiro ou posição, mas exemplos, horizontes, perspectivas, valores. Estou errado?
Coisas que quem nasce em baixo dificilmente encontra, se não houver os mecanismos sociais para isso: educação, cultura, saúde, blibliotecas, tempo, essas coisas...
É apenas para isso que reclamo igualdade. Em vez de ler nas noticias que os bancos fazem varios milhoes de lucro por dia.

Anónimo disse...

Então é aí que estamos de acordo, meu caro. 100% de acordo.

L. Rodrigues disse...

Mais um dado: dos pobres em Portugal apenas 3% são desempregados.
40% trabalham. Os restantes são reformados.

De onde se conclui que:
Não se paga o suficiente a quem trabalha. Tratamos mal os nossos velhos.

Portugal não é rico, mas se o pouco que há fosse melhor distribuido, (e melhor não significa "igual para todos"), podia-se fazer com que houvesse mais optimismo mais confiança e mais da tal produtividade que todos tentam expremer de quem já trabalha 8 horas por dia. Isto é o que eu penso.

Anónimo disse...

Pensamos os dois... pelo menos.

CPrice disse...

caro mike (o l. rodrigues que me perdoe fazer aqui veículo .. ) :) em primeiro lugar obrigada pelo comentário à prosa e em segundo deixe-me exprimir-lhe a minha admiração pelo percurso que deixa adivinhar.
Concordo com tudo o que escreveu independentemente de achar que deverão talvez ser os ditos "afortunados" a promover o tal "optimismo" que falta a muitos .. outros.
:)

Anónimo disse...

Com a devida vénia... :-)