25 junho, 2007

Altruismo congénito

Com o recurso a imagiologia cerebral, foi possivel já identificar as partes do cérebro que são activadas quando participamos em actos de generosidade. Em principio o que os neurologistas estão a ver é o sujeito da experiencia a sentir-se bem consigo próprio.

Isso já seria um facto interessante. Mas os cientistas são cientistas porque tentam colocar mais perguntas e obter mais respostas. Assim, um grupo de neurocientistas e economistas da universidade do Oregon tentou perceber melhor as nuances do altruismo.

Traduzindo por alto:
Os sujeitos, estudantes como é costume nestas coisas, recebiam 100 dolares e depois com o auxilio de um computador, o seu dinheiro era redistribuido segundo padrões diversos. Eles podiam voluntariamente auxiliar uma causa nobre, um banco alimentar, podiam ver o seu dinheiro ser diminuido e aplicado no banco alimentar, como um imposto, e outro resultado possivel era o dinheiro ser distribuido aleatoriamente quer aumentando o proprio peculio, quer indo parar ao banco.

O resultado interessante desta experiencia é que do ponto de vista da reacção cerebral dos sujeitos, além dos esperados resultados para os que doavam voluntariamente, foi o facto de a mesma reacção acontecer quando o "imposto" fazia o dinheiro ir parar ao banco alimentar. Além disso foi identificado um grupo chamados de puros altruistas que tinham uma reacção mais positiva quando no processo aleatório o dinheiro ia parar ao banco alimentar em vez de engordar a carteira.

Isto dá a devida relevância ao facto de que, para um numero significativo de pessoas e é pena o artigo não quantificar, o bem público é de facto mais importante que o pessoal. Que um imposto bem aplicado é visto como um bem e não um roubo. E que, mais importante do que tudo, a natureza humana tem muito mais nuances do que o que pintam os comodistas dos economistas neo-clássicos.

Os exemplos multiplicam-se. Uma multitude de dados da psicologia moderna sustentam a visão de um ser humano social, solidário, que vive melhor com regras e limites, que precisa de ancoras relacionais, de controlo sobre a sua vida, de capacidade de prever minimamente o futuro e ter projectos de vida com os quais possa crescer pessoal e socialmente.

Mas há um paradoxo dificil de ultrapassar quando se imagina como colocar este conhecimento no quadro de uma visão politica. De uma forma geral as pessoas não se vêem como são, e tendem a rejeitar a sugestão, e nem falo da imposição, de normas que dirijam as suas escolhas. Mesmo que o resultado final fosse melhor para cada individuo e para todos.

Um exemplo típico é o abordado por Barry Schwartz, de que já aqui falei, no seu "O paradoxo da escolha". Como convencer as pessoas de que é melhor escolher entre 5 do que entre 50?
Limitar a escolha a priori parece contra intuitivo. Mas a verdade é que a posteriori, a escolha que foi feita entre menos opções tende a gerar mais satisfação.

Historicamente, as religiões têm sido os instrumentos humanos mais eficientes para encarar este tipo de problemas. O argumento sobrenatural é bastante eficaz em condicionar a vida das pessoas dando-lhes por um lado as regras de que precisam e por outro um sentido, bem como a sensação exaltante de pertencer a algo maior.

Uma sociedade humanista e materialista, é claro, não pode aceitar esse mecanismo, que de resto tem os lados negros que todos conhecemos. Parece-me que é um dos grandes desafios que se colocam actualmente: a construção de uma narrativa cativante para uma ideia de humanidade mais próxima de si mesma.

Uma sugestão: mais psicologia nas escolas, mais cedo. A exposição das pessoas aos resultados de muitas das experiências feitas nos laboratórios das universidades, leva muitas vezes os sujeitos a uma mudança de percepção sobre os outros e sobre si mesmo. Uma melhor compreensão das forças que actuam sobre as decisões e dos resultados das mesmas. Há que começar por algum lado...

7 comentários:

Flávio Josefo disse...

Desafio-vos a participar no movimento dos Blogs a favor do referendo do Tratado Europeu. A imagem está em Kaos.

CPrice disse...

"Como convencer as pessoas de que é melhor escolher entre 5 do que entre 50?" .. será porque na multiplicidade das opções está a via da liberdade? porque sentimos que optamos ? escolhas diversas, perspectivas e consequências igualmente diversas .. mas a noção de "livre" associada 49 noves em vez de 4 .. :)

Mais um excelente texto l. rodrigues .. mas aqui já me repito.

L. Rodrigues disse...

É, cara Once in a While, a percepção de liberdade é maior. Mas escolhas demais tornam o acto da escolha angustiante, quase paralizante. Quando apesar da angustia se escolhe, a expectativa é muito maior para uma coisa escolhida entre 50, do que outra entre 5, e como tal o potncial de desilusão aumenta. Além disso aumenta o que os economistas chamam "oportunity cost": neste caso a fruição dos 49 produtos preteridos.

É claro que estas coisas não são nada óbvias.

CPrice disse...

É claro que não .. não são nada óbvias como muito bem escreve l. rodrigues .. e depois, eu que gosto de complicar, penso, quem é que reduz o universo das minhas escolhas ? e como o escolhe ? ;)
mas isso sou eu .. que de complicadinha da silva, tenho tudo.
(risos)

L. Rodrigues disse...

Sim, é a pergunta que se coloca. Quem escolhe quanto é suficiente?
Creio que uma das causas do excesso presente nas sociedades modernas é a visão "supply side" da vida, que implica criar necessidades onde elas não existe.
Não seria preciso limitar as escolhas individuais se se limitassem as escolhas industriais, numa perspectiva de sustentabilidade.

(Neste aspecto assumo o meu lado de hipocrita, já que ganho a vida a fomentar essas necessidades.)

CPrice disse...

ou seja: olha para o que eu digo .. (?) .. de facto.
Aí tenho de concordar. Criar necessidades onde elas não existem leva-nos a optar por coisas .. hum .. sem as quais passaríamos bem, suponho.

Anónimo disse...

Brincadeira à parte e com o devido respeito, tem sido com inconfessável prazer e curiosidade que, cinicamente, observo (leio) à distância uma troca de palavras deliciosas entre uma "complicadinha da silva" e um "hipócrita oculto". Como resolvi intervir, vou permitir-me à liberdade de desempatar, apesar de não haver lugar para empates e desempates. Pois é, l rodrigues, não te reconheço como hipócrita mas tens um nada de fundamentalista, como todos os filósofos da era moderna, por isso, e neste caso em particular, "estou" com a once in a whlie. Tanta escolha para quê? Tanta opção para quê? Para estarmos, aparentemente e momentâneamente, bem com as nossas consciências? Mesmo que isso nosleve a optar por coisas com as quais passaríamos bem?