15 maio, 2007

Nada pode ser de todos

O conceito de propriedade aplicado a pedaços de terreno tem muito que se lhe diga e já lhe dediquei algumas linhas. Mas quando se trata de propriedade intelectual, então a coisa ainda fica mais estranha. Já não é novidade, por exemplo, que algumas multinacionais tentam ser donas de todas as variantes de vida. Nomeadamente patenteando sequências de genes, como aquela terapia de cancro da mama que andou aí nalgumas notícias. Nem gosto de imaginar onde pode levar isso.

A última curiosidade neste capítulo, no entanto, é algo que tem andado a preocupar o governo indiano. Ao que parece foram registadas nos Estados Unidos várias centenas de patentes, marcas e direitos de autor relacionados com o Yoga. Ou seja, algo que é uma tradição e sabedoria ancestral, parte da identidade indiana, e por extensão património da humanidade, agora, à luz da lei americana, é pertença de alguém que pode assim impedir seu acesso a outros. (Porque é do que se trata: criar valor gerando escassez).

Podemos pensar, malucos dos americanos, eles que vendam o que quiserem uns aos outros que não nos chateia. Acontece que os EUA têm por método impor nas suas negociações de tratados de comércio a adopção pelos países com quem os fazem de leis de propriedade intelectual à imagem das suas. Ou seja podia dar-se o absurdo de haver uma proibição de práticas e divulgação do Yoga no país que o viu nascer, por força destas leis.

Entretanto, 2000 patentes por ano são registadas, uma vez mais nos EUA de produtos farmacêuticos baseados na medicina tradicional indiana. Mas quando a Índia quis produzir retro virais genéricos, lá veio a OMC bater o pé a dizer que não podia ser. Que havia violação de direitos de propriedade intelectual.

Já agora um aparte, li recentemente que o estado Americano do Massachussets vai atribuir 1 bilião de dólares de fundos públicos ao longo de 10 anos para financiar estudos de células estaminais. Completamente a favor. Mas a pergunta que fica: as patentes que tenham origem nessa investigação, vão ser tão públicas como o seu financiamento?

4 comentários:

CPrice disse...

esta do Yôga aborreceu-me ..
Namastê :)

L. Rodrigues disse...

É de aborrecer. Mas o exemplo podia ser dado com outras coisas.
Na cabeça daquela gente, suspeito, nada os impede de registar uma composição química que corresponde a algo que passa por Vinho do Porto, e impedir a importação do genuíno por violação de patente...

José, o Alfredo disse...

É do domínio da ficção (pulp fiction mesmo), mas é uma ideia engraçada. Aparece no 'The Hitchhiker's Guide to the Galaxy' ou no 'The Restaurant at the End of the Universe' e é assim: aproveitando a capacidade de viajar no tempo, a malta recua, regista a patente de uma coisa qualquer que já existe, avança novamente e cobra os respectivos direitos.
Claro que a verdadeira totalidade da graça está nos livros em si (o filme não vi, mas diz que não é grande coisa), mas este é um dos muitos pormenores deliciosos.

L. Rodrigues disse...

Tenho o filme. Há coisas que foram feitas para serem imaginadas.

Aqui há uns tempos acho que li um cálculo dos direitos da pólvora.
posso estar enganado, mas acho que dava qualquer coisa como a Terra feita em ouro.