30 janeiro, 2006

Blade Runner

Quem tenha lido o livro que deu origem ao filme, saberá que o título original era "Do Androids Dream of Electric Sheep?". Para mim o moral, se o havia em Blade Runner, é que vale mais uma boa mentira do que uma verdade assim assim.

Isto parece dificil de defender. Mas se pensarmos que da realidade só sabemos o que o nosso cérebro nos diz sobre ela, e que basta perceber um pouco sobre como funcionam os sentidos para termos a noção de que a nossa percepção é fruto tanto de uma leitura directa do que nos rodeia como uma construção do nosso cérebro, talvez comecemos a olhar a realidade com outros olhos.

Vem isto a propósito de uma notícia que li sobre uns pequenos e felpudos robots, desenhados como focas bebés, que têm com sucesso sido utilizados em terapias de pessoas com dificuldades a diversos níveis, desde autistas a anciãos solitários.
Nada de específico do robot. Os efeitos deste são os que exerceria um animal de estimação, só que o robot não morre por nos esquecermos de lhe dar comida.

Ver uma senhora de idade acariciar e conversar com o seu Paro - é o nome dos "bichos" - deve ser uma sensação no mínimo estranha. Mas a verdade é que o robot providencia uma série de sinais que a velha, e abandonada, senhora interpreta como "relacionais". Contacto visual, reacção à voz, à brusqueza ou delicadeza dos gestos etc.

Se os nossos sentimentos mais "humanos" como os da afectividade podem ser estimulados (manipulados?) e imitados, por um artefacto onde fica de facto a fronteira entre natural e artificial, entre o humano e a máquina?

Um robot não ama, todos o sabemos. Mas se imita na perfeição as atitudes de um ser apaixonado, como distinguir? E não o farão os humanos? Imitar, simular...

Deckard, o protagonista de Blade Runner, terminava assumindo a sua paixão por um ser artificial. A única coisa que diferenciava Rachael dos outros androides era não ter uma data marcada para o fim. Mas, também, quem tem?

2 comentários:

João Villalobos disse...

Deixa-me dizer-te que, após a leitura do poste, associo-o muito mais ao ao A.I. do Spielberg. Se não viste, posso emprestar-to.
Nota: Lá estamos de novo - «da realidade só sabemos o que o nosso cérebro nos diz sobre ela». Será? No lo creo. Mas isso sou eu, vítima do misticismo tardio, como ironiza o meu tio (e já agora o meu irmão)... :)

L. Rodrigues disse...

E ironizam muito bem :)
Mas a referência ao A.I. é bem vista.
O blade runner parece distanciar-se mais (ou aproximar-se da humanidade) porque no filme estamos face a, pouco mais ou menos, clones, seres orgânicos. O que não acontecia no livro. As ovelhas eram eram eléctricas, estava-se nos anos 60.