24 janeiro, 2006

O fim da poesia

No seu livro "Unweaving the Rainbow", Richard Dawkins tentou dar aos seus leitores razões para crerem que a ciência não levava ao fim da poesia. Quanto a mim não foi muito bem sucedido.

Não porque não tenha razão, nessa afirmação simples, mas ao defender a ideia de que quem está nas fronteiras do conhecimento tem sensações de maravilhamento e interrogação que em nada ficam a dever aos "mistérios" celebrados pelos poetas, pareceu-me reservar a poesia para quem priva nessa franja. Todos os outros, os que não fazem ciência de ponta, ficavam condenados a elaborar sobre frivolidades que as mentes mais privilegiadas já tinham dissecado, analisado, concretizado e racionalizado. Estou a exagerar, provavelmente, mas eu até admiro o homem e não gostei de o ver a fazer figuras daquelas.

Mas eis que me dou conta, numa obra de um seu par, de uma (possível) explicação científica para o amor.
Sabem do que falo. O AMOR, aquele... o do fogo que arde sem se ver... o dos amantes clandestinos... o do Romeu e Julieta... explicado pela ciência. Dir-se-ia o fim definitivo da poesia. Keats (o autor do poema original que indirectamente criticava Newton por retirar a poesia ao Arco-Íris) iria dar mais umas cambalhotas no túmulo.

Ou talvez não.

O que esta explicação avança, ao tentar dar um significado biológico ao amor, é que o papel dele é... ser um mistério. Ou seja, se o amor se percebesse não servia para nada.

Do ponto de vista de um casal que "celebra um contrato" o amor servirá para tornar dificil comparar o negócio que fizémos com outros que nos possam aparecer. Se for verdade que na busca de um par tentamos encontrar a melhor pessoa - a mais bela, mais nobre, mais rica, etc - que nos aceita, uma união feita unicamente nesses termos estaria sempre sujeita a ser posta em causa por alguém melhor que aparecesse. O que, de resto, não deixa de acontecer.

Mas o amor baralha tudo. Se não conseguirmos enumerar todas as razões que nos prendem numa relação, não podemos comparar o que temos com coisa nenhuma. E isso protege a relação e aumenta a sua esperança de vida. O que faz sentido do ponto de vista biológico. Conclui-se portanto que o amor tem que ser assim, inexplicável, irracional, intangível, para fazer sentido.

O que me traz de novo à questão da poesia. Afinal não sei se Dawkins estava certo ou não. A Natureza na sua imensa e cega sabedoria, produziu o maior dos mistérios. O mistério cuja razão de ser, é ser um mistério.

É a ciência que o diz, o que dará alguma razão a Dawkins. Mas por outro lado todos estamos igualmente inabilitados para compreender o amor, o que faz com que afinal todos possam ainda ser poetas.

P.S.
Posto isto, poderemos ir mais longe e dizer que quem sabe porque ama, não ama verdadeiramente?

4 comentários:

João Villalobos disse...

É claro

João Villalobos disse...

que se pode ir mais longe (carreguei no enter sem querer). E achei muita graça ao argumento biológico da indeterminação. Acho sempre piada quando a biologia tenta chamar a si coisas que não lhe pertencem ;) E fá-lo de uma forma tão inteligente que até parece fazer sentido...

L. Rodrigues disse...

João Vasco: e depois sou eu que sou o céptico.

L. Rodrigues disse...

sm: Obrigado. É bom saber que se chega a mais gente do que os amigos a que se impingem as nossas diletãncias.