03 julho, 2007

Há coincidências curiosas.

Este fim de semana, por sugestão d’O Bitoque, tive oportunidade de ver online o documentário “The trap-What happened to our dreams of freedom?” de Adam Curtis, produzido para a BBC. Nele o autor explora as origens da cultura de individualismo que assola a Grã-Bretanha e não só, as raízes do neo-liberalismo, e as consequências deste na destruição das instituições públicas, da ideia de sociedade, e no fomento das desigualdades e de um sem número de “doenças mentais” que afinal são apenas reacções de pessoas saudáveis a uma sociedade doente.

A coincidência ocorreu por, este fim de semana também, na minha lenta leitura de Karl Polianyi, chegar à parte de “The great transformation” em que ele enuncia os princípios “naturalistas” em que os liberais do século 19 se basearam para legitimar uma ideia de equilíbrio atingido pela ausência de interferências.

Assim, enquanto os neo-liberais se apoiavam na matemática da Teoria dos Jogos, desenvolvida por Nash, para demonstrar como agentes autónomos e egoístas (self-interested) podiam ganhar consistentemente no confronto com outros, os liberais de antanho olhavam para os equilíbrios nas populações de predadores-presas para defender que a “ordem” podia emergir naturalmente quando não existe interferência externa, de onde concluíam que o mercado atingiria o equilibrium desejado se fosse deixado à sua dinâmica própria.

O mesmo mecanismo intelectual reemergiu, portanto, desta vez suportado por uma imensidade de números. No documentário de Curtis, é salientado o papel dos estrategas da guerra fria sediados na Rand Corporation, na elaboração de modelos matemáticos à volta desta visão “racional”, egoísta e isolacionista da natureza humana.
É sintomático que quando pessoas normais participavam nos “jogos”, não escolhessem as estratégias “ganhadoras” mas sim as que privilegiavam a cooperação. Mas isso pelos vistos não fez recuar quem insistiu em manter esse retrato “robot” do ser humano em todos o modelos de interacção desde a economia até à psicologia familiar.

Polanyi escreveu o seu livro cerca de 1940. Acreditava que a guerra que eclodia então era o ultimo e mais terrível estertor provocado pelos 100 anos de liberalismo que o haviam antecedido. Acreditava que a sua época ia ser recordada como o fim de uma perigosa e destruidora experiencia social. Infelizmente, nisso estava errado, em todo o resto parece ter visto bem.

7 comentários:

CPrice disse...

"... A society's livelihood strategy is seen as an adaptation to its environment and material conditions, a process which may or may not involve utility maximisation. The substantive meaning of 'economics' is seen in the broader sense of 'economising' or 'provisioning'. Economics is simply the way society meets their material needs."
.. gosto especialmente desta definição .. e não querendo agora parecer demasiado simplista, interrogo-me .. é assim tão dificil de entender / aplicar? não me parece.

L. Rodrigues disse...

Muito bem.

CPrice disse...

thank you professor ;)

L. Rodrigues disse...

Professor nada :), sou apenas um curioso e diletante. Gostava era de conhecer a origem da definição se não for pedir muito.

Obrigado.;)

L. Rodrigues disse...

Hmm, nada que o google não resolvesse.

CPrice disse...

http://en.wikipedia.org/wiki/Economic_anthropology

As minhas desculpas .. deveria ter colocado logo logo .. :)

Anónimo disse...

Gostei muito do texto, Luís (para um liberal como eu, devo estar a ficar com o coração mole... ou numa fase evolutiva de ideias e da visão da sociedade). De qualquer maneira, para que não penses que tens sempre razão, é bom não esquecer que foi, é, e sempre será assim que as sociedades se construiram. A implacável História e o seus ciclos. Não há "maus" se não houver "bons" e vice-versa.