10 julho, 2007

Classe

Hoje em dia, em certos meios e quadrantes políticos é usual ouvir dizer que não faz sentido falar em classes. Que é uma linguagem antiga, que ninguém está preso à condição em que nasce, porque no maravilhoso mundo onde vivemos qualquer um, com esforço e dedicação pode ascender socialmente a qualquer posição, assim tenha o talento e o mérito.

O que me leva a um artigo de Bernard Chazelle sobre os acontecimentos que tiveram lugar em França já há uns tempos, os célebres levantamentos dos Banlieu.

A tese de Chazelle é que a Igualdade decretada pela República Francesa impediu aquele país de implementar medidas de integração dos franceses de segunda geração. Afinal, se todos são iguais por lei, não faz sentido haver leis com base nas diferenças.

E a verdade é que basta ver os comportamentos dos empregadores e a discriminação que fazem entre quem tem um nome francês ou outro oriundo do Norte de África para perceber quão racista é ainda a França.

Ou seja, não é por sermos iguais perante a lei que nos passamos a ver como tal.

Da mesma forma, não é por dizermos ou decretarmos que não há classes que elas deixam de existir. Talvez o formalismo hereditário de outrora tenha sido substituído pelo estatuto económico, e este teoricamente esteja ao alcance de todos numa “democracia liberal”.

Mas hoje sabe-se que em países como os Estados Unidos a mobilidade social é muito menor do que na maior parte dos países da Europa. O sonho americano, consagrado na ideia de que qualquer que seja a condição do seu nascimento, todos podem vir a ser Presidentes, é de facto um sonho, porque como diz George Carlin (que, como prometi, passarei a citar e referir sempre que possa): é preciso estar a dormir para acreditar nele.

Em França a intenção não seria perpetuar o racismo, mas o resultado foi esse. Mas não estou certo de que os detractores da ideia de classe sejam tão inocentes assim.

Negar que existem classes é a melhor forma de as perpetuar. Não reconhecendo que a mobilidade social é mínima, não se implementam as medidas que tendem a aumentá-la – correndo o risco de me repetir: educação, saúde, segurança social.

10 comentários:

CPrice disse...

Mais um texto brilhante caro l.rodrigues .. pela simplicidade sem “snobbery” com que aborda um tema actual se bem que ainda algo mistificado: é evidente que há classes, não só as hereditárias de berço, nascimento, apelido mas igualmente e cada vez com mais força as que se prendem com o estatuto económico de quem as compõe, desde a zona onde vive até à marca de carro que conduz. Acabar com elas? Um sonho de facto e como muito bem diz, “a dormir talvez”. Lidar com as diferenças? Uma utopia “possível”. Principalmente se nesse “lidar” estiverem noções como igualdade de bem-estar e de oportunidades, independentemente da quantidade de zeros existentes nas respectivas contas bancárias.

Anónimo disse...

Vou permitir-me ir um pouco mais longe do que George Carlin: nem mesmo acordado se acredita nisso. Como diz a once in a while, com propriedade, é evidente que há classes, sempre houve e sempre haverá. Também não vamos ser ingénuos: é claro que os detractores da ideia de classe não são inocentes. Normalmente, e aqui estou a especular, têm, na sua grande maioria a consciência pesada, quer dizer, para isso teriam que a ter... ;-)
Contudo, meu caro l rodrigues, coloca-se sempre uma questão de atitude relativamente a este tema. saber viver bem consigo próprio independentemente da classe onde se está inserido é algo de muito importante que nunca poderá ser legislado. O exemplo que dás - os célebres e mediatizados levantamentos dos Banlieu - foram unanimemente criticados em França e não só pelas classes altas, as protegidas. Também o foram pelas pessoas que, honestamente se dedicam ao seu trabalho, por "menor" que ele possa ser considerado. Quantos arruaceiros, inúteis e párias foram os mentores e executores dos ditos levantamentos? Mas o texto está bom e o tema é pertinente, para variar. Este é um tema em que o "liberal" chocará sempre com o "fundamentalista". Cabe-te a ti identificar os "bois" (sem ofensa) ;-)
Abraço

L. Rodrigues disse...

O tema não era de facto os levantamentos, e sim a atitude de negação que lhes poderá ter dado origem. Quanto ao "viver bem consigo" independentemente da classe, revela um conformismo que, tenho a certeza, não subscreves.

As classes apenas se diluem em países como os sempre apontados nórdicos em que um salário minimo e um "máximo" estão muito menos distantes do que noutros, e onde todos têm o mesmo direito à dignidade, independentemente do que façam para viver, varredores ou reis.

No fundo, é simples.

CPrice disse...

"viver bem consigo .. conformismo" .. eu curiosa gostava de o ver agora desenvolver este tema .. :) pode ser ?

L. Rodrigues disse...

No contexto da discussão, classes pareceu-me que se referia a uma aceitação "fatalista" das desigualdes... posso ter articulado mal...

CPrice disse...

ah .. ok .. não me pareceu essa a interpretação mas .. :)

quanto ao "é simples" tenho de concordar .. é-o de facto.

Anónimo disse...

Mas o que te pareceu não era, de facto, o que se pretendia com o "viver bem consigo". O que queria dizer é que haverá sempre pessoas mais inteligentes, talentosas e bem sucedidas que outras, o que não deve fazer com que as "outras" se sintam diminuídas ou com um papel inferior na sociedade, ou que percam a noção da sua importância num âmbito familiar, etc. No fundo, é simples. Lembro-me de ter lido algures e já há algum tempo que os americanos (deve ter sido há bastante tempo), quando confrontados com as profissões mais importantes para a sociedade, coloram nos primeiros lugares os bombeiros, polícias, apanhadores de lixo, médicos e professores (a ordem não foi necessariamente esta) e não os gestores, investidores e empresários. De facto deve ter sido há bastante tempo.

Anónimo disse...

Porventura seria mais simples a claro partilhar contigo o que um pai sempre disse a um filho que não nascera em berço de ouro: faças o que fizeres na vida, fá-lo bem, sê competente e, acima de tudo, comporta-te sempre dignamente. Ora isto não se legisla, não é Luís? No limite dir-me-às que, apesar de não ser de uma classe de elite, dever-me-ei considerar um privilegiado. Podem deixar-se 2 comentários seguidos sem esperar resposta do último, não pode? Sei lá, estas cenas modernas dos blogs podem obedecer a regras que desconheço...

L. Rodrigues disse...

Este blogue só duas regras:
ninguém se insulta
e eu apago o spam.
De resto ainda não dei por ter outras.

Anónimo disse...

Mantem-te assim... ;-)