Um pouco por todo o lado, empilham-se as provas e demonstrações de que o ser humano é muito menos capaz de fazer boas escolhas do que cada um de nós pensa de si mesmo.
No entanto este mito teima em não cair por terra. Quer seja pela fé liberal na racionalidade maximizadora do ser humano (mais sobre isto adiante) quer pela crença no livre arbítrio entendido à luz da religião e dela herdado, mesmo entre não crentes, que tem a utilidade teológica de diferir para os ombros do seres humanos aquilo em que é inconveniente Deus ter responsabilidade.
No entanto estamos sempre a fazer escolhas menos que boas. Seja porque não temos informação suficiente, seja porque a isso somos induzidos por uma série de mecanismos mais ou menos inconscientes. Se assim não fosse, não comiamos coisas que nos fazem mal, não havia fumadores, as pessoas não corriam a fazer seguros a seguir às tragédias, para os esquecer passado uns tempos, não comprávamos aparelhos com funções que não usamos, mesmo depois de termos essa experiência com outros. De uma forma geral a experiência, que não a intuição, demonstra que as pessoas são melhor servidas pelas escolhas de terceiros do que pelas suas*.
Isto como é evidente vai contra os mais elementares principios liberais. Nenhum sistema é tolerado que reduza a liberdade individual de cada um. Com este problema em mente dois académicos da Universidade de Chicado, criaram um conceito novo, a que chamaram Paternalismo Libertário.
Parece um mero jogo de palavras, paradoxal, mas creio que encerra uma ideia interessante. Se as pessoas fazem sistematicamente más escolhas, mas não devemos colocar em causa a sua liberdade de as fazer, então devemos colocar as escolhas de forma a que as que têm resultados mais desejáveis para quem as faz, sejam as mais fáceis de fazer. No limite, o exercicio da liberdade de não escolher deverá levar ao melhor resultado.
Qualquer organização estabelece procedimemtos e regras. Os libertários paternalistas sugerem que esses procedimentos e regras sejam desenhados de forma a que as escolhas das pessoas por elas impactados seja o mais próximo possivel das que elas fariam se tivessem na posse de informação perfeita.
Os opositores, nomeadamente os libertários, que não gostaram muito de ver a sua ideologia misturada com outras ideias, até aceitam que ao nivel de organizaçoes privadas esta seja uma politica desejável. Mas quando se trata de governos, consideram muito mais complicado.
Um exemplo hipotético. Imaginemos uma cantina ou cafetaria numa escola ou empresa. Vamos assumir que a ordem de disposição das sobremesas é importante para a escolha. Seja porque as pessoas pegam primeiro na primeira coisa que vêem ou no que está à altura dos olhos. O encarregado da cantina pode assim condicionar a dieta dos frequentadores. Se colocar gelado na posição mais eficaz em vez de fruta, estará a contribuir para a taxa de obesos... ou pode ser libertaria paternalista e, continuando a oferecer gelado, colocar a fruta de forma a ser a primeira escolha. Se uma empresa ou escola querem colaboradores ou alunos saudáveis, imagino que a segunda hipótese seja razoável. O facto relevante deste exemplo é que há sempre uma decisão a tomar sobre como organizar a comida, e o resultado dessas decisão não é irrelevante. Um libertário extremo exigiria uma não organização: nada do que o gerente fizesse deveria influenciar as escolhas dos outros. Isto apenas seria conseguido com uma distribuição aleatória o que, do ponto de vista de gestão da cantina, não faz sentido nenhum.
(O exemplo é académico, mas se os hipermercados fazem coisas parecidas com os seus consumidores, é capaz de não ser tão hipotético como isso. )
Em jeito de conclusão, depois de ouvir um podcast de uma conversa entre um libertário puro e duro e um dos proponentes desta filosofia política, fico com a impressão de que o que alarma o libertário é a ideia de que alguém ponha o Governo a ajudar as pessoas... isso para ele é que é inconcebível.
*E mesmo quando escolhem bem, ficam menos satisfeitos do que se a escolha tivesse sido feita por outros, mesmo que não sejam mais qualificados para as fazer.
Para suportar esta afirmação, recorro a Barry Schwarz, autor a que já me referi anteriormente.
Basicamente, os custos de escolher (as alternativas desejáveis que somos forçados a preterir ou a frustração de não escolher a coisa perfeita, seja uma casa, ou um esposo) ficam do lado do agente.
13 outubro, 2007
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5 comentários:
"Pois quem aceitaria escolher por regras?"
Fiodor Dostoievski
só mesmo se as mesmas fossem imperceptíveis .. dissimuladas? assim como quem coloca um bem desnecessário à altura dos olhos das prateleiras de supermercado .. ;)
… paternalismo libertário... confesso que não gostei do termo, mas segui o link até ao significado. Não ter gostado do termo faz de mim um libertário, deixemo-nos de rodeios. Libertário por natureza, paternalista por missão... será que só existe o preto e o branco? Apreciei o exemplo hipotético, se bem que imagino sempre uma realidade em que o responsável pela cantina tem acordos com marcas de iogurtes ou gelados (com os respectivos benefícios financeiros, claro), o que, logo à partida, torna o exercício nisso mesmo... hipotético. Isso fará com que a cantina seja viável e os preços pagos elos pais também... então ficamos todos contentes... as coisas estão ali, ou aí, e cada um é livre de escolher... sou libertário, sem dúvida. Serei? o pai Mike sente-se mais identificado e mais próximo da ideologia paternalista libertária... haja quem, genuinamente, desisteressadamente e em posse da informação, defenda os interesses dos mais desinformados, para bem da sociedade. E agora l.? Sou o quê? Raios! só tu para me pores com estas dúvidas numa segunda-feira de manhã. É que isto não é fácil... um fulano achar que é uma coisa, sempre foi essa coisa e de repente... afinal não é bem assim... ;)
É para desinquietar que aqui estamos, Mike.
olá Luis, gostei sobretudo desta tua última expressão, que me trouxe recordações agradáveis lá das nossas bandas. Há muito que não me desinquietavam assim, eheh, beijinhos
... reconheço esse teu espírito conspirador, que desinquietar não é mais que isso (risada). Ainda assim que a curiosidade matou o gato mas não me há-de matar a mim, eu fico onde, caro l.? Bem, acho que me estou a tornar num paternalista libertário... Raios! ;)
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