04 outubro, 2007

Os maluquinhos das conspirações

Ainda não li o livro mais recente de Naomi Klein, “The Shock Doctrine”, a que fiz referência através do seu trailer lá mais abaixo.

A tese do livro é a de que o actual “consenso” político e económico, chamado neo-liberal, com a sua primazia do Mercado, a redução do papel do governo, a transferência de bens e serviços da esfera publica para a privada, não é fruto de um movimento inevitável da História mas sim de um oportunismo metódico, tirando partido de crises reais ou percebidas, e da fragilidade politica e social que delas decorre.

Os exemplos de Klein são clássicos: Chile, Inglaterra, China, Rússia, Iraque. Depois da violência, e aproveitando o estado de choque, passam-se medidas e “reformas” que de outro modo seriam bloqueados por aquilo a que se chama democracia ou sociedade.

É interessante, por exemplo, saber que Thatcher tinha 25% de aprovação e se debatia com uma feroz oposição às suas medidas quando eclodiu a guerra das Malvinas. A guerra tem esse efeito, e no ano seguinte, quando foi preciso partir as costas dos sindicatos dos mineiros, a dama de ferro contava com 60% de apoio.

Também é curioso descobrir que em meados dos anos 90, houve pressões de certas elites financeiras canadianas para forçar o abaixamento dos ratings de crédito do Canadá em Wall Street, criando a percepção de uma economia em crise, para suportar as “reformas” que pretendiam ver implementadas.
Isto perante a perplexidade dos operadores das empresas de rating, que estavam habituados a sofrer pressões de sentido contrario...

Os críticos da tese desvalorizam o livro como, por um lado, irrelevante: a ideia de que é preciso uma crise para haver mudança parece demasiado óbvia para justificar o papel em que está escrita, e por outro lado como mais uma teoria de conspiração: que não. que não há aí uns malvados a tentar desequilibrar os pratos da balança para favorecer grupos particulares, e que é tudo apenas a dinâmica natural das coisas.

Talvez. Mas esta semana cruzei-me com esta citação de um tal Irving Kristol, considerado um dos pais do pensamento neo-conservador, acerca da politica económica conhecida como “Reaganomics”:

“This explains my own rather cavalier attitude toward the budget deficit and other monetary or fiscal problems. The task, as I saw it, was to create a new majority, which evidently would mean a conservative majority, which came to mean, in turn, a Republican majority - so political effectiveness was the priority, not the accounting deficiencies of government.”

Irving Kristol (The Public Interest, 1995):


Conspiração? Naa..... Pois se é tudo tão transparente...

13 comentários:

Anónimo disse...

Irving Kristol é um homem respeitado nos EUA e com reputação. Mas Irving Kristol defende um conservadorismo a que eu, talvez por culpa dos meus pais, talvez por culpa minha, dou outros nomes, que até nem gosto, confesso, e que andam no limiar de fascista e reaccionário para empregar um termo muito em voga nos idos anos 70 e 80. Quem defende "I don’t think the advocacy of homosexuality really falls under the First Amendment any more than the advocacy or publication of pornography does."… diz tudo, ou quase tudo. Naomi Klein tem o meu respeito e até simpatia… mas teoria da conspiração... existe sim, só que sempre existiu... Contudo continuo a pensar que Mercado é Mercado e Conspiração é Conspiração. Vivemos em democracia, votamos em quem queremos e somos consumidores do que queremos... e o exemplo da Tatcher não me parece um bom exemplo. Talvez as costas dos sindicatos dos mineiros não precisassem de ser partidas mas naquele preciso momento histórico alguma coisa tinha que ser feita só que ninguém tinha, até ali, tido coragem para o fazer. E diz a História que a economia do Reino Unido nunca mais foi igual... está melhor. Chamar-me-às um neo-liberal, eu dir-te-ei que não se tratou de conspiração, apenas de Mercado... neste caso, claro. ;)

L. Rodrigues disse...

A economia Inglesa? Aquela baseda em bullshit:
http://books.guardian.co.uk/extracts/story/0,,2082838,00.html

e que gera niveis de pobreza infantil iguais aos nossos?

Anónimo disse...

Sim essa mesmo... uma das quatro potências europeias, o 5º maior PIB do mundo (acima dos 2 trilhões de dólares), com uma taxa de desemprego de 4,7%, uma das mais baixas da Europa e longe, bem longe dos nossos 7,6% e que, consistentemente, apresenta um crescimento real da economia... isto não é bullshit, ou será? será fruto da conspiração?

L. Rodrigues disse...

É pois :).

Os numeros podem ser muito enganadores. Quando o 5º maior PIB do mundo e a menor taxa de desemprego da Europa convive com o maior indice de pobreza 20%, que é que isso te diz sobre a sociedade em questão?

CPrice disse...

as minhas "costelas" não me "permitem" opinar neste .. so .. have a very nice week-end Sire .. ;)

(é nada .. é só falta de tempo mesmo)

Anónimo disse...

Que a sociedade se anda a esquecer, sem desculpa, e com consequências gravosas de futuro, das mais elementares preocupações sociais. E esse esquecimento não deveroa passar impune.

Anónimo disse...

... deveroa não... deveria ;)

L. Rodrigues disse...

Exactamente Mike. A questão é que não podes separar esse esquecimento, no caso inglês, das políticas de Thatcher. A tal que dizia "There is no such thing as society."

Anónimo disse...

Se a memória não me atraiçoa, a Guerra das Malvinas foi em 82... já lá vão 25 anos... as costas dos sindicatos devem ter sido partidas em 83... muito tempo passou para se corrigirem políticas. Mas a questão para mim, algo diferente da visão por ti defendida, é que liberdade e primazia do Mercado não é igual a conspiração. Ou não deve ser.

L. Rodrigues disse...

Conspiração é evidentemente uma palavra que contamina o debate.

Seria talvez mais correcto e sofisticado falar em sinergias entre classes detentoras de poder e escolas de pensamento.

A escola de pensamento liberal encontrou suporte (nomeadamente financeiro, e através dessa influência, político) nas classes que mais tinham a ganhar com a promoção dessas ideias.

Conspiração dá ideia de que se juntam todos numa sala escura e combinam coisas que ninguém sabe. Mas não deixa de ser curioso como a liberdade do mercado favorece a concentração de meios de produção e informação nas mãos de cada vez menos gente.

Porque o mercado é livre, os maiores engolem os mais pequenos. É a lei da vida, dizem uns. É a lei da selva, dizem outros.
O homem não se civilizou para viver na selva.

L. Rodrigues disse...

Além disso, o "mercado livre" nunca foi uma ocorrência espontânea nas sociedades, é disso que fala este livro, relativamente ao final do século 20. E era disso que falava Karl Polanyi relativamente ao século 19.
O mercado livre sempre foi imposto. Uma artificialidade, portanto.

Anónimo disse...

Os Mercados, tal como as pessoas e as sociedades, para serem livres devem impôr-se a si próprios determinadas regras. E em momento algum deverão abdicar delas, antes aperfeiçoá-las à medida que a evolução determine ou aconselhe. Polanyi falava disso sim, na Grande Transformação, mas a verdade é que poucas coisas são ocorrências espontâneas nas sociedades, o “mercado livre” não foge à regra, porque haverá sempre os mais capacitados, os mais inteligentes, os mais audazes, os mais empreendedores, os mais visionários e, infelizmente, os mais “chico-espertos”, os mais gananciosos, os mais aldrabões, os mais egoístas e os menos escrupulosos... Eu sou dos que digo é a lei da vida, mas a providência divina me proteja de algum dia dizer é lei da selva.

Isto hoje dava pano para mangas... ;)

Anónimo disse...

A própria Naomi Klein recusa falar em teoria da conspiração (nas entrevistas que li, porque do livro ainda estou à espera) e prefere falar em termos que se aproximam das «sinergias» que você refere.
A fraqueza fundamental das teorias da conspiração está em atribuir aos conspiradores um nível de competência e eficácia que é muito pouco plausível. Mas podemos estar a cair no extremo oposto se explicarmos o fracasso de Bush e dos neocons no Iraque por níveis de incompetência igualmente implausíveis.