31 janeiro, 2007
23 janeiro, 2007
Os Briochistas
Esta famosa resposta atribuída a Maria Antonieta a respeito da falta de pão dos pobres parece própria de um tempo em que uma elite aristocrata vivia longe da realidade dos povos, e em que o pensamento, a opinião ou a experiência do homem comum eram considerados irrelevantes ou inexistentes.
Algo de semelhante passa-se hoje e ninguém, ou muito poucos, parecem importar-se, ou sequer dar por isso. Por exemplo, o novo paradigma do trabalho; flexibilidade, mobilidade, risco. São-nos vendidos como pressupostos para a sobrevivência num mundo em mutação. E admiramos o quadro superior que manda tudo às urtigas e enceta o seu projecto pessoal, seja empresarial ou outro, admiramos o jovem que larga o seu país e vai para Londres fazer o curso de teatro. E somos chamados a imitá-los, a não estarmos presos, a não sermos estáticos e acomodados.
Mas para um observador atento, quantos desse admiráveis e corajosos empreendedores realmente arriscam algo importante quando dão esses passos? Sim, talvez arrisquem dois anos sem férias nas Maldivas, ou arrisquem, no caso do jovem artista, demorar mais dois anos a tomar conta das empresas do pai. Mas quantos deles arriscam a não ter um tecto onde dormir, ou a não ter comida para dar aos filhos, e roupas para os vestir?
O mítico e aventureiro empreendedor que é o ícone desta nova atitude pertence a uma classe privilegiada, com uma teia de relações que serve simultaneamente de rede de segurança. Nunca colocam em causa uma ínfima parte do que o que uma pessoa sem os mesmos meios é chamada a abdicar.
E ainda nos dizem que nem sequer faz sentido falar em classes, hoje em dia. Que numa sociedade livre como a nossa, ninguém está fora do universo de oportunidades que está aí fora para quem quiser aproveitar. Quem diz isto, só pode ser um Briochista.
Recentemente, no jornal Financial Times, foi publicada uma coluna que nos revelava como a "opinião pública" estava a reconciliar-se com o mundo dos negócios, depois de um período de divórcio na sequência dos escandalos da Exxon e outros do género. A conversa do costume, menos governo, mais iniciativa privada, mais NGO's.
Quem era a "opinião pública"? Uns milhares de "opinion leaders" e "top earners". Uma cambada de Briochistas. Aqui comentados.
22 janeiro, 2007
18 janeiro, 2007
Uma bela história com merda.
O velho índio saiu para o exterior da sua casa, presumo que um igloo e, de acordo com o relato do seu neto, hoje adulto, uma vez lá fora baixou as calças e defecou para uma mão. Com essa matéria prima moldou uma lâmina, que o frio ártico se encarregou de solidificar. Para a tornar mais eficaz juntou um pouco de saliva na ponta para fazer um bico afiado. Depois matou um dos seus cães, com a pele improvisou um arnês e, com os ossos um pequeno trenó. que atrelou a outro cão.
E foi-se embora, de faca de cocó na cintura.
Esta história foi contada por Wade Davis, Explorador Residente da National Geographic, nas TED Talks que espreito de vez em quando.
Ele também diz que das 6000 línguas conhecidas hoje, 3000 não estão a ser aprendidas por crianças. Metade da Humanidade vai desaparecer, um velho de cada vez.
14 janeiro, 2007
O futuro da energia, versão Barroso.
Na semana que passou foi apresentada a Estratégia Europeia de Energia que pretende, na sua folha de intenções figuram em destaque a redução de emissões de CO2 em 20% para um futuro imediato, tendente a atingir menos 30 % em 2012.
10 janeiro, 2007
A Fé na Crença. Apêndice A
Um colunista regular num jornal financeiro de grande divulgação mundial e de páginas cor-de-rosa salmão, publicou uma coluna recentemente com o seguinte título:
No caso dos criacionistas, fecham os olhos a todas as evidências de evolução para se focarem nas eventuais lacunas que possam existir no conhecimento.
No debate sobre o ambiente e, caso em questão, as mudanças climáticas, foca-se a discussão não nas evidências apresentadas por milhares de especialistas, mas na incerteza das soluções e dos desenvolvimentos.
Deixa-se de discutir o que se sabe, para discutir o que não se sabe. E nessa altura, a minha fé, ou fezada, parece tão boa como a tua. É por coisas como esta que um mundo onde acreditar sem razão é uma virtude, é um mundo pior.
Comecem a comprar terra na Gronelândia, digo eu. Mas não muito junto à costa.
PS. O Financial Times teve o mérito de publicar algumas boas respostas ao artigo com que comecei este post:
"Orthodox economics, (...), with its presumption of an infinite natural resource base to fuel endless gross domestic product growth, its belief in man as a perfectly informed rational agent and of markets bustling with the efficiency of limitless small companies facing no barriers to entry in any sector - this is a belief system that really does require a leap of faith."
04 janeiro, 2007
E, no entanto, o transcendente acontece
Leonard Cohen & Sonny Rollins
And who by fire,
who by water,
who in the sunshine,
who in the night time,
who by high ordeal,
who by common trial,
who in your merry merry month of may,
who by very slow decay
and who shall I say is calling?
And who in her lonely slip,
who by barbiturate,
who in these realms of love,
who by something blunt,
and who by avalanche,
who by powder,
who for his greed,
who for his hunger,
and who shall I say is calling?
And who by brave assent,
who by accident,
who in solitude,
who in this mirror,
who by his lady's command,
who by his own hand,
who in mortal chains,
who in power,
and who shall I say is calling?
03 janeiro, 2007
A fé na crença
De qualquer modo, parece-me sempre pertinente reflectir sobre estes assuntos. Num mundo em que o presidente da mais poderosa nação diz que Deus lhe diz para fazer coisas, e em que os seus mais virulentos opositores estão dispostos a matar-se e mais quem os acompanhar, entre outras coisas em nome da sua fé, é bom perceber que vem a ser tudo isto.
De uma forma geral tenho tido uma relação pacífica com a religião que me envolve. A minha atitude foi sempre, no mínimo: "É com cada um, desde que não me chateiem". E mais do que uma vez, muito depois de ter interiorizado plenamente o meu ateísmo, participei em rituais, simulei orações e até encorajei crentes. Em nome de uma espécie de tolerância, e crença firme num lado benévolo da religiosidade. O lado que tranquiliza, que dá sentido, que preenche vazios.
Dizia para mim "Eu não preciso, mas há quem precise. E mal não faz."
Hoje sou menos tolerante. E numa destas intervenções de Beyond Belief '06 alguém sintetizou a melhor razão para questionar a religião, mesmo moderada.
Quando se ensina que acreditar sem provas ou argumentos racionais é, em si, uma virtude, está aberta a porta da legitimação de todos os fanatismos.
As religiões têm passado imunes às mais básicas formas de critica. Se uma pessoa acredita numa estupidez qualquer, é um lunático, se uma pessoa acredita numa coisa igualmente improvável e descabida mas que tem a forma de crença religiosa, damos um passo atrás e mantemos no mínimo uma distância e um silêncio respeitosos.
Como ilustra Sam Harris: Se um tipo acorda de manhã, diz umas palavras em latim sobre os seus flocos de cereais e acredita que eles se transformam assim no corpo de Elvis, é maluco.
Se o diz sobre uma hóstia, na missa, é católico.
Sermos católicos ou protestantes, ou hindus ou muçulmanos é apenas um acaso geográfico. Achar que por isso temos uma visão superior da cosmologia, da moral é apenas uma forma muito básica de etnocentrismo. Ou então temos a infinita sorte de ter nascido precisamente na unica religião que está certa. Ou o infinito mérito de a termos descoberto pelo nosso percurso pessoal, que também os há. Não me parece.
Outro argumento importante é que todos somos ateus de outros deuses que não o nosso. Vishnu? Não existe. Zeus? Um mito. Odin? Não me façam rir. Deus, o da Bíblia? Isso é outra coisa. Mas como? Porquê? Porque sim. Há os evangelhos, há 2000 anos de tradição, há milagres.
Como se as outras religiões não tivessem isso tudo.
E mesmo os budistas, (e tu sabes quem és ;) ), bem faziam em ouvir as palavras sábias do seu mestre:
"If science proves some belief of Buddhism wrong, then Buddhism will have to change."
Isto sim, é uma procura da Verdade, de verdade.
02 janeiro, 2007
Anjinhos da paz.
Mas tudo me leva a crer que desta vez não é o caso de preconceitos bem intencionados a funcionar.
O estudo de 186 sociedades por todo o mundo revelou, segundo a antropóloga Peggy Reeves Sanday, que quanto mais os pais (os homens) são envolvidos no cuidado dos filhos bebés, menos as respectivas sociedades tendem a fazer a guerra.
Li algures que até muito recentemente, princípios do século 20, os pais pouca proximidade apresentavam para com os filhos antes de eles atingirem uma certa idade, pela adolescência talvez. Ocorreu-me que isso acontecesse pela elevada mortalidade infantil desses tempos. Só quando as crianças "vingavam", mereceriam a atenção do chefe da família. Imagino também que este retrato seja uma generalização, mas tenho-a como plausível.
Só alguém muito desatento não vê como, de uma forma geral, essa assimetria de envolvimentos com os filhos se veio a alterar nas nossas sociedades. Levante a mão o pai das duas últimas décadas que não mudou uma fralda, aqueceu um biberon, ou ajudou a adormecer o bebé no colo. Hmmm... ok... ainda assim foram mais as mãos levantadas.
Se o achado se confirmar, pode ser que se tenha encontrado mais uma alavancazinha de civilização.