23 janeiro, 2007

Os Briochistas

"Não têm pão? Comam Brioches!"

Esta famosa resposta atribuída a Maria Antonieta a respeito da falta de pão dos pobres parece própria de um tempo em que uma elite aristocrata vivia longe da realidade dos povos, e em que o pensamento, a opinião ou a experiência do homem comum eram considerados irrelevantes ou inexistentes.

Algo de semelhante passa-se hoje e ninguém, ou muito poucos, parecem importar-se, ou sequer dar por isso. Por exemplo, o novo paradigma do trabalho; flexibilidade, mobilidade, risco. São-nos vendidos como pressupostos para a sobrevivência num mundo em mutação. E admiramos o quadro superior que manda tudo às urtigas e enceta o seu projecto pessoal, seja empresarial ou outro, admiramos o jovem que larga o seu país e vai para Londres fazer o curso de teatro. E somos chamados a imitá-los, a não estarmos presos, a não sermos estáticos e acomodados.

Mas para um observador atento, quantos desse admiráveis e corajosos empreendedores realmente arriscam algo importante quando dão esses passos? Sim, talvez arrisquem dois anos sem férias nas Maldivas, ou arrisquem, no caso do jovem artista, demorar mais dois anos a tomar conta das empresas do pai. Mas quantos deles arriscam a não ter um tecto onde dormir, ou a não ter comida para dar aos filhos, e roupas para os vestir?

O mítico e aventureiro empreendedor que é o ícone desta nova atitude pertence a uma classe privilegiada, com uma teia de relações que serve simultaneamente de rede de segurança. Nunca colocam em causa uma ínfima parte do que o que uma pessoa sem os mesmos meios é chamada a abdicar.

E ainda nos dizem que nem sequer faz sentido falar em classes, hoje em dia. Que numa sociedade livre como a nossa, ninguém está fora do universo de oportunidades que está aí fora para quem quiser aproveitar. Quem diz isto, só pode ser um Briochista.

Recentemente, no jornal Financial Times, foi publicada uma coluna que nos revelava como a "opinião pública" estava a reconciliar-se com o mundo dos negócios, depois de um período de divórcio na sequência dos escandalos da Exxon e outros do género. A conversa do costume, menos governo, mais iniciativa privada, mais NGO's.

Quem era a "opinião pública"? Uns milhares de "opinion leaders" e "top earners". Uma cambada de Briochistas. Aqui comentados.

6 comentários:

José, o Alfredo disse...

Esse Financial Times, com aquele look todo cor-de-rosinha, é o mesmo que veio dizer que as acções da PT valem, no mínimo, alguns 11 euros. Possivelmente, porque algum estagiário, devidamente munido de um tradutor automático, lhes disse que quem quer comprar mais barato são os tipos do Continente. É espantoso o que a Sonae já fez pela PT, só por falar em querer ficar com ela.

L. Rodrigues disse...

Esse FT diz umas boas, sim. Para outra bela desconstrução sugiro este link:

http://www.eurotrib.com/story/2007/1/23/55514/6007

João Villalobos disse...

:)
Já lá vai um ano, hem?

L. Rodrigues disse...

É verdade... quem diria...

A disse...

Empreendedores? Para mim, cada caso é um caso. Brochistas, infelizmente é o que há mais. Mas tanto é empreendedor o tipo que parte na barcaça em direcção ao norte de África, com 80% de hipóteses de chegar à areia das canárias em decomposição, como o fulano que sai daqui com 2 ou 3 filhos ou mais, rumo a um ordenado melhor porque aqui tudo é fraquinho demais e não dá garantias de dignidade. Aquilo que os distingue parece-me que é mais o nosso olhar pouco isento, o numero de alimentos ingeridos por dia a que habituaram o seu organismo, e acima de tudo a consciência do medo do abismo que lhes atinge o estômago...
Na verdade, confesso que vejo ambos a desprezar atitudes briochistas.
Um abracinho.

L. Rodrigues disse...

A,
Sempre um gosto especial ver-te por aqui, e ler o que tens para dizer.
Um beijo.