24 outubro, 2006

Ideias perigosas

Ocorreu-me uma ideia perigosa acerca de ideias perigosas a propósito das reacções de indignação ao projecto de lei que visa penalizar em França a negação do genocídio Arménio pelos Turcos. À semelhança do que alguns países fazem acerca do holocausto Judaico.

A minha primeira reacção também foi, no mínimo, de estranheza. O princípio da liberdade de expressão que – quase – todos temos como bom é pouco compatível com este tipo de iniciativas.

Mas depois comecei a pensar. Os Memes de novo. Um dos corolários da Memética, ou pelo menos dos seus proponentes mais empenhados é que o mecanismo de selecção natural e evolução é um algoritmo independente do substrato. Ou seja, que a mesma relação que existe entre genes, se estende a qualquer universo de entidades com características idênticas.

Nesta visão do mundo os seres humanos são especiais na medida em que são veículos dos replicadores genes, e dos poderosos novos replicadores Memes. Estamos entalados, por assim dizer.

Os genes trouxeram-nos até aqui, mas são os memes que vão determinar para onde vamos. Durante a maior parte da sua existência a espécie humana não teve a capacidade de condicionar os seus genes. Isso é muito recente na nossa história evolutiva. Mas pela mesma razão que procuramos terapias genéticas para erradicar certos tipos de doença, não fará sentido encontrar terapias meméticas para erradicar certo tipo de ideias?

Se temos hoje as ferramentas para desafiar a selecção natural e em muitos casos não é conflituoso fazê-lo, porquê deixar que ela actue livremente num plano que afecta muitos mais de nós?

Porque se à partida todas as ideias deviam ser livres, nada nos diz que no fim são as melhores ideias que sobrevivem.

Serão as melhores no sentido evolucionista: são as melhor equipadas para sobreviver, porque são as mais intimamente ligadas aos seus portadores, porque são as melhores a erradicar as ideias que competem pelo mesmo nicho, porque se associam a outras que as ajudam melhor a sobreviver etc etc. Mas esta performance é moralmente neutra. Uma “Boa ideia” no sentido evolucionista pode causar muitas mortes, sofrimento, injustiça e todo o género de atrocidades. Basta olhar para a história das religiões e da política.

Aplicar isto ao exemplo com que comecei, não parece muito relevante, mas achar que as ideias podem andar à solta e que não temos o direito de tentar extinguir a que são más para nós não me parece que leve a grande futuro. Claro que se coloca sempre a questão: e quem é que define o que é uma ideia aceitável? O único critério que me ocorre, assim de repente, é olhar para o cadastro das ideias e contar os mortos, mas prometo pensar em outros.

7 comentários:

redonda disse...

E eu desconhecia os memes -
replicadores egoístas ou vírus da linguagem. Poder-se-á por decisão mais ou menos esclarecida eleger as ideias aceitáveis e extinguir as outras? Talvez através da difusão do esclarecimento...

L. Rodrigues disse...

Normalmente e em liberdade é isso que se deseja, que as ideias se confrontem de igual para igual , mas a verdade é que essa luta é frequentemente desequilibrada... as más ideias são por vezes insidiosamente perenes.

Poderão as boas ideias ter que se complementadas com outras mais agressivas, sob a forma de lei. Reafirmo que não sei se é essa a melhor maneira...

Paulo Cunha Porto disse...

Meu Caro L.Rodrigues:
Tudo isso está muito bem. Mas como evitar a incoerência do padrão? Neste caso, só criminalizando quem negasse as atrocidades da Revolução Francesa. Falei no outro dia na Vendeia, porque iguamente genocídio. O que equivaleria a pôr entre os criminosos a própria entidade criminalizadora. E nesta altura genes e memes já devem andar mais misturados do que numa batedeira.
Abraço. Até logo.

L. Rodrigues disse...

Caro Paulo,
nada contra, e na verdade esta coisa de criminalizar revisionismos históricos não me parece boa ideia. Porque como bem se sabe a história é escrita pelos vencedores. Mesmo nos conflitos em que todos perdem.
E concordo que esta visão memética e genética pode parecer poucochinha para elaborar sobre as complexidades da nossa existência, mas tenho para mim que é um pano de fundo que não deve ser negligenciado, já que explica como poucas a dinamica das coisas.

L. Rodrigues disse...

Ah receio que a minha presença neste almoço de hoje esteja comprometida... mas ainda não sei definitivamente.

José, o Alfredo disse...

Como sempre, lá vou eu baixar o nível do discurso. Desta vez, com uma citação (o que sempre ajuda a atenuar a queda): "You have a right to free speech, as long as you're not dumb enough to actually try it" (The Clash, Know Your Rights, Combat Rock).

L. Rodrigues disse...

Citar The Clash nunca poderia ser considerado de menor nível.
De qualquer modo, este post é apenas uma reflexãozinha sobre a natureza da competiçao entre ideias, e como algumas más ideias - racismos, ódios e outras-, se aproveitam de boas ideias - liberdade tolerância, democracia - para vingar.

Como um paciente que é tratado com imunodepressivos para um determinado mal, mas com isso fica exposto a outros. Nós nesse caso, contra atacamos com antibióticos, no caso das ideias, frequentemente apenas olhamos impotentes...