13 julho, 2009

As teias da filosofia moral

Apesar de andar pouco produtivo aqui no Designorado, nunca deixei de dedicar atenção e deixar comentários nos diversos blogues que sigo. Recentemente participei numa discussão sobre Eutanásia no blogue “O afilhado”.

No meio da discussão ficou claro que o Tiago Moreira Ramalho entende que não temos nenhuma obrigação de ajudar os outros. Teremos a obrigação de não lhe fazer mal, que é a moral liberal da não coacção, mas não temos a obrigação de fazer seja o que for pelos outros (a não ser que um contrato prévio a isso nos obrigue). Pecados por omissão é coisa que não existe.

Usando as palavras do Tiago :
“É verdade que ajudar os outros é algo de louvável, ainda assim não se pode cunhar como imoral a não-ajuda. Por exemplo, eu tenho plena noção que há imensa gente a morrer à minha volta, sem que faça propriamente algo de substancial para minorar o problema.”

Para rebater este ponto vou fazer apelo a um grande filósofo moral de seu nome Benjamin Parker. São-lhe atribuídas as palavras: “With great power must come great responsibility”

O que para mim encerra o busílis da questão. É quando temos o poder de fazer o bem ou mal que fazemos decisões morais. As pessoas que o Tiago não pode ajudar, não o chamam a tomar nenhuma decisão, porque o seu poder sobre o destino delas é virtualmente nulo, por estar diluído com o resto da sociedade. (Daqui também se podem tomar ilações sobre responsabilidade colectiva, mas fica para outras núpcias).

Num exemplo discutido, há um caminhante no meio de uma estrada de montanha que tem um azar e parte uma perna. Precisa de ajuda. Segundo o Tiago se alguém passa e o ignora, não está a ser imoral. Mas acontece que nesse momento essa pessoa que passa tem o poder de ajudar. E com o poder, vem a proporcional responsabilidade.

13 comentários:

Vasco Pontes disse...

...bem pensado.
Abraço

TMR disse...

Continuo a não concordar. Diz-me que o poder dá responsabilidade. Pois eu acho que a responsabilidade só vem se houver, e não é redundância, responsabilidade. Se eu estiver implicado na coisa.

Para além disso, tem sempre poder de mudar. O rendimento do Luís, que não sei, nem me interessa, quanto é iria permitir criar bastantes crianças africanas e o Luís tem poder para isso. Pessoalmente, não vejo imoralidade em não o fazer. Apesar de achar muito louvável que se faça.

L. Rodrigues disse...

Está implicado quando tem poder e tanto mais quanto maior ele seja.

Se o Tiago fosse a unica pessoa que podia salvar todos os outros seres humanos da terra, mas não o fizesse, estaria a ter uma atitude moral, imoral ou neutra?

Mas para não termos mais uma pescadinha de rabo na boca, acho que precisamos de concordar primeiro no que consiste um acto moral ou ético. Que é que o valida, afinal?

hugo disse...

que tal para simplificar as abstracções começarmos por discutir o que é ser sacana ou não.

hugo disse...

digo isto porque ha sacanísse moral como há sacanísse legal. Existem muitas formas de ser sacana e levar a avante. Podem-nos ilibar, parabenizar ou premiar por sermos sacanas. bolas, um pai pode amar mais um filho se ele for um sacana. Os entraves a ser um sacana são na maioria das vezes nulos e ilegítimos. No entanto, (e não estou a chamar nada a ninguém é apenas a minha tese), quem se regir por estes trâmites(da sacanísse), é com toda a justiça e imparcialidade um sacana.

Mike disse...

Nestas teias da filosofia moral, não vejo como discordar de ti.

CPrice disse...

"É quando temos o poder de fazer o bem ou mal que fazemos decisões morais." - eis o cerne da questão.

e à quote, de que gostei, acrescentaria: (...) power and freedom (...)

Vou gostar de acompanhar essa das outras núpcias.

Stran disse...

Antes demais parabens pelos teus textos.

"... por estar diluído com o resto da sociedade. (Daqui também se podem tomar ilações sobre responsabilidade colectiva, mas fica para outras núpcias)."

Desculpa antecipar as "nupcias" mas tenho bastante interesse neste tema. Na minha opinião existe uma relação positiva (pelo menos até certo nível) entre responsabilidade colectiva e liberdade individual. O que achas?

L. Rodrigues disse...

Caro Stran
Obrigado.

Na verdade, esta relação saltou-me à vista quando estava a escrever o texto e não é nada sobre a qual tenha elaborado grandes cogitações. (Estes textos têm muito Jazz, se me faço entender), como vai ter esta resposta.

Intuitivamente, penso que tens razão, sobretudo se entendermos a liberdade substancial tal como Amartya Sen a define: o conjunto de capacidades (capabilities) do individuo.

Uma liberdade positiva, por oposição à negativa defendida pelos liberais que se limitam à não coacção.

Aqui há uns tempos comecei a entreter a teoria de que num contrato social importa maximizar a liberdade total. (Isto numa tentativa de resgatar a ideia de liberdade das "garras" liberais :) )
Assim uma sociedade é tanto mais livre quanto maior for a soma total da liberdade dos individuos que a compõem.

Como a liberdade positiva é assimptótica, ou seja, a partir de certa capacidade o acréscimo de posses não aumenta significativamente o grau de liberdade (quantos Maserattis são precisos para fazer um homem feliz?), podemos inferir que a sociedade mais livre é aquela que pega no sexto Maseratti de um milionário e compra 10 cursos superiores a quem não os poderia ter de outra forma.
Como está na moda dizer-se há ali um efeito multiplicador.

Espero ter entendido e respondido à tua questão.

Stran disse...

Antes demais não precisas de agradecer e gostava de dizer que gosto de Jazz, seja ouvido, ou neste caso lido!

Julgo que liberdade e igualdade não deve estar nas garras de ninguém pois são transcendentais às ideologias. E fazes bem, pois julgo que um enorme problema é só associarmos a defesaa da liberdade aos "liberais" pois acaba por diminuir o conceito da mesma.

E para além do exemplo que deste, com o qual eu concordo, há o caso de por delegarmos uma responsabilidade no Estado (segurança, saúde, educação, etc...) ficamos com mais horas disponíveis, logo mais livres no campo das nossas acções.

Um caso engraçado que eu descobri quando acompanhei o mestrado de uma grande amiga minha é que o imposto era um substituto da pressão social. Nunca tinha pensado nisso dessa forma, mas era a conclusão (que no inicio era contra-natura para mim) que se podia obter do estudo. No entanto quando me comecei a recordar de como é o ambiente nos suburbios americanos (muito bem retratado em filmes ou séries como donas de casa desesperadas) é que reparei que todo aquele controlo deriva disso mesmo, de um estado social inexistente.

Ao não existir estado social, as pessoas têm de confiar em quem são mais próximas (vizinhos e ou familiares), mas para confiares precisas de exercer um maior controlo, não só para saberes mais sobre essa pessoa (o aumento de informação está directamente relacionado com o aumento de confiança) e acabas por exercer uma pressão para não permitires comportamentos desviantes limitando assim a tua liberdade pessoal.

Assim um aumento teorico da tua liberdade económica (neste caso com menos impostos) implica uma diminuição da tua liberdade pessoal!

Ana disse...

Meu querido amigo,
Belo tema que tardava a juntar-se a este blog.A minha intuição dizia-me que era necessário e que um dia chegaria aqui pela mão dos contratos sociais, numa perpectiva económica, mas que no fundo se estende a tudo o que são relações sociais.
Floriu este campo.Parabens. Stran semeou também e bem;)

L. Rodrigues disse...

Stran,
não é talvez por acaso que os países onde há menos redistribuição de riqueza e solidariedade social, são tendencialmente mais religiosos.

Stran disse...

Muito Obrigado Ana! És muito simpatica.

Luís,

É verdade. Aliás além de todos os motivos pelo qual defendo um Estado Social, esse foi um que apreendi à pouco tempo e que é, estranhamente um motivo liberal...