27 maio, 2006

A alma portuguesa, o tanas

Imagine um país onde os condutores conduzem pela esquerda mesmo com a faixa da direita livre.
Onde se usa de esquemas e cara de pau para, por exemplo, entrar onde não é suposto para satisfazer uma curiosidade qualquer.
Ou onde há leis de padrões de construção há mais de 20 anos que nunca foram devidamente aplicadas e fiscalizadas.
Ou ainda um país onde subsídios churudos para a agricultura, vão para grandes agro indústrias e latifundiários, e os pequenos produtores ficam a ver navios.
E onde face a estas atitudes, se abana a cabeça e diz: só mesmo aqui…

Se até aqui parece que este é um post a falar de como somos péssimos, é de propósito. Mas os exemplos que referi acima vêm de além fronteiras, Alemanha, Inglaterra, e no caso dos subsídios agricolas, toda a Europa.

Confesso que fico dividido perante esta espécie de lenta revelação que tive nas ultimas semanas. Por coincidência, um conjunto de pequenos episódios, anedotas, e noticias levavam sempre à mesma conclusão: Não somos assim tão excepcionais como isso.

Seja em pequenas incivilidades seja em grandes vícios instituidos, lá fora, na Europa que nos habituámos a ver como civilizada, consciente, organizada, multiplicam-se os maus exemplos. Bem, talvez os Suíços sejam mesmo diferentes. Mas esses estão à parte.

E fico dividido porque não sei se hei-de desesperar, pois se até os bons exemplos não o são, afinal, ou se devo ter esperança, porque se somos capazes de ser iguais no pior, também seremos capazes de imitar o melhor.
Mas talvez seja um bom antídoto para aquela resposta que bem conhecemos, quando alguém sugere que adaptemos este costume ou aquele processo: “Pois pois… isso cá nunca pegava…”

Se há algum excepcionalismo português é que muito cedo fomos obrigados a viver de costas voltadas para os nossos vizinhos europeus. Fomos alimentando esta ilusão de que éramos únicos, porque tudo o que conhecíamos era a nossa imagem, reflectida no Atlântico. E fomos ficando resignados no nosso isolamento, incapazes de criar nesta terra aquilo que fomos fazer em outras. Futuros.

Ao contrário de muitos vejo esperança nos imigrantes que entre nós se fixam. Trazem outros olhares, outros espelhos, com a imagem da nossa própria humanidade que nos foi negada pela história.

8 comentários:

João Villalobos disse...

Belíssimo post! Cada vez vale mais a pena esperar ;)
Abraço

L. Rodrigues disse...

Queres dizer que cada vez se espera mais?

;)

Vasco Pontes disse...

Pois é,
não há muitas diferenças entre os homens do mundo, essa é que é a verdade.
tenho algumas reservas quanto aos emigrantes. Não quanto aos seus olhares que penso fixaste bem, mas quanto à nossa capacidade de integrar as gerações seguintes e evitar os getos que se estão formando rapidamente...
Discordo, caro Luis Rodrigues, de a história nos tenha negado alguma humanidade. Pelo contrário, parece-me que há uma alma portuguesa, difícilde fixar, mas que fez com que um historiador norte-americano dissesse de nós que fomos, muito improvavelmente o primeiro império da era moderna e, ainda mais improvavelmente, o último.
Algum,a coisa temos. Os timorenses andam a matar-se, mas gostam de nós e nós... temos qualquer coisa.
Temos qualquer coisa luis, o que parece é que falta sempre um golpe de asa para podermos finalmente olhar os olhos uns dos outros, portugueses, libertar a culpa e a capacidade realizadora que parece estar mesmo ali, espreitando a oportunidade de surgir.
Vê que tenho razão olha fundo nos olhos dos portugueses. Eles querem fazer algo, só não sabem ainda como.
Abraço. Não sei se já te disse, mas és assim um pouco uma voz da consciência que obriga a olhar o mundo para além dos horizontes pessoais

marta r disse...

Eu nunca nos vi como os piores mas sou uma optimista com tendência para o exagero.
E acho os suiços muitos chatos. Ainda bem que eles não imigram para cá.

L. Rodrigues disse...

Caro Vasco,
Longe de mim pensar que não temos nada. Mas é dessa qualquer coisa que falta que falo. Coisa que os nossos emigrantes encontram nos países para onde partem e constroiem as suas vidas e que eu espero que os que nos visitam nos ajudem a descobrir.

Cara Marta,
Também eu sou um optimista mas, se olharmos em volta, o mínimo que se pode pensar é que assim não nos safamos.

Quanto aos Suíços só estão aqui por "comic relief".

Paulo Cunha Porto disse...

Meu Caro L.Rodrigues:
Mas fará parte do Carácter Nacional o isolamento? Penso que todo o folclore das "nossas costas viradas para a Europa" se deve à orientação política do Infante D. Pedro que, enquanto Regente, nos queria mergulhar nela, intervindo nas respectivaas crises. Ao contrário do período de fechamento da Espanha, praticamente todos os visitantes louvaram os braços abertos com que por cá foram recebidos e os nossos emigrantes são conhecidos por se adaptarem rapidamente aos hábitos dos países de destino, o que significa que não havia identidade total, nem incompatibilidade que destrinçasse.
Mais, a nossa Gesta Ultramarina sempre foi vista pelos nacionais como a ponta da lança europeia, uma ponte, portanto, mas com a pertença definida.
No resto, há que concordar. Onde está o Homem está o vício e há-os universais. E a conversa anti-imigração é coisa sem expressividade, nas mais das vezes tentativa desajeitada de cativar o interlocutor à custa de uma aversão facilmente identificável.
Abraço.

L. Rodrigues disse...

Tendo mais a interpretar a nossa hospitalidade e curiosidade pelos outros precisamente pelo isolamento a que os que ficaram sempre conheceram. Às "costas voltadas" não as vejo nem como folclore nem como vontade, apenas como uma inevitabilidade, face à vizinhança a que estávamos limitados.

Anónimo disse...

Ter e não ter (to have and have not). Lembrei-me desse romance ( o meu preferido) escrito, ou pelo menos editado, pelo velho Hemingway, em 1937. Ter e não ter depende da perspectiva, depende da ambição, depende do conhecimento de nós próprios, da rasoabilidade dos objectivos a que nos propomos e dos meios que temos ao nosso dispor para os alcançarmos. Eu confesso que por vezes acho que temos muito. Outras vezes acho que temos de mais e há outras ainda, que acho que temos pouco ou nada. O tema ou o assunto em causa pode, também, influenciar a minha análise. Por exemplo: temos muito (e bom) mar; mas temos mar a mais para o nosso espírito empreendedor. Temos pouca ambição e pouca auto-confiança. Temos uma história rica, mas a tendência em deixarmo-nos cair no esquecimento. Temos muita capacidade de desenrascanço, mas nada de organização. Temos sempre muita esperança (já tivemos mais) mas não temos o talento da perseverança. Enfim, depende do que estamos a falar.

Marta,

Se pensarmos bem, porque será que os Suíços não emigram para cá, nem para lado nenhum? Talvez porque têm mais que nós lá na terrinha deles. Mas estou contigo. São uns chatos do camano.