06 março, 2006

SMS Porno

Sempre tive um interesse distante pela política, economia e afins. Tão distante que quase se poderia confundir com desinteresse. Só muito recentemente tentei perceber para além do básico que nos ensinam, mal, nos liceus, e do que se vai percebendo, ainda pior, nos diversos meios de comunicação.
Afinal, ao fim de algum tempo, começamos a tentar perceber porque raio não saímos nós da cepa torta. O discurso dos sacrifícios agora, para colher os frutos depois, é ciclicamente ouvido desde que a política passou a ser pública, uns tempos depois do 25 de Abril, e até agora: nada.

Tenho a impressão de que Portugal foi apanhado numa encruzilhada, e que vai ser complicado sair dela se não percebermos no que estamos metidos. Esta encruzilhada é a da nossa história enquanto país, e a da história do mundo, que não esperou por nós enquanto estivemos entretidos com os nossos botões nos últimos 50, ou 500 anos.

Para todos os efeitos práticos, Portugal pouco tinha ido além da Era Medieval, em 1974. Nessa altura, a nova liberdade abria a possibilidade de finalmente estugarmos o passo e tentarmos aproximar-nos do mundo civilizado e moderno. Havia que investir em educação, em infraestruturas que possibilitassem desenvolvimento, na saúde e tudo o mais que é a base de um mínimo de qualidade de vida. E havia que criar nas pessoas a ideia de cidadania e responsabilidade.
Afinal, tinhamos andado 500 anos, pelo menos, a deixar que o senhor regedor, o senhor padre, o senhor doutor, e o senhor rei, ou ministro ditador iluminado, decidissem por nós, que eles é que sabiam e tinham os estudos. Anos em que nos obrigaram a acreditar que não vale a pena esforçarmo-nos, porque quem nascia rico, pobre ou remediado, morria rico, pobre ou remediado.

Tinhamos então a oportunidade de nos transformarmos, na falta de uma palavra melhor, numa democracia. Um país em que cidadãos esclarecidos e empenhados, delegam o seu poder num grupo destinado a assumir o cargo da governação.
Uma coisa destas não acontece da noite para o dia. Se se fizer tudo certo, talvez numa geração isso seja possível. E agora, seria a altura de começar a ver essa transformação tomar forma.

Mas é aí que a história nos trai. Estávamos nós a começar a encetar um caminho (ou pelo menos a tentar descobri-lo), e eis que o mundo arranca no caminho oposto. Encetava-se um movimento que viria a chamar-se globalização. À primeira vista parecia uma coisa nova e fantástica. Uma observação mais atenta revela que não é nova e, pelo menos até ver, não é fantástica. Cavalgava numa ideologia económica que exige que o mercado seja o fiel de todas as balanças, e que os Governos se demitam do seu papel de instrumento de bem estar do povo que os elege.

Para nós, resumiria as suas consequências nisto:
Quando Portugal precisava de fazer cidadãos, desatou a fazer consumidores.

Eduardo Prado Coelho uma vez escreveu na sua coluna que passámos para o pós-modernismo, sem passarmos pelo modernismo.
Na minha cabeça, a imagem que traduz isso é a da mão que larga a enxada, para pegar no telemóvel. Portugal era um país rural cheio de iletrados e ainda mais analfabetos. E passou a ser um país que não sabe bem o que é, cheio de iletrados e um pouco menos de analfabetos.
E ainda gasta o pouco dinheiro que tem em coisas que não servem para nada.

Lembro-me de quando apenas tínhamos dois canais de televisão, em muitas partes do país apenas um, e as pessoas faziam tudo e mais alguma coisa para não pagar a taxa de televisão. Eram uns 500 escudos por ano, ali por 1980. Dois Euros e Meio, para os mais novos.

Hoje sem piscar os olhos, paga-se meia dúzia de contos por mês por um mau serviço por cabo. Troca-se de telemóvel (um dos vários que se possuem) todos os anos. De caminho, ligamos para o XXXX e recebemos umas mamas no ecrã do telemóvel, também disponíveis em filme. E engordamos, finalmente. Com comida que não produzimos.

Somos consumidores portugueses.
A cidadania, a democracia, a responsabilidade, fica para depois, talvez.
Até porque agora é que não interessa de todo. Há que satisfazer os accionistas.

Fomos apanhados em contra pé. E os espertos e armados em espertos que sempre se safaram, em vez de serem confrontados com uma nova classe de cidadãos prontos a questionar tudo e a decidir pelo bem de todos, prosperaram como nunca.

Isto tudo podia ser resumido no seguinte: há uma ideologia e ciclo económico global que tende a acentuar as desigualdades. E o nosso país, quando precisava de emergir da profunda desigualdade em que viveu quase toda a sua história, chocou contra estas forças, sem ter qualquer hipótese de reagir, por falta de estrutura.

A minha única esperança reside no facto de o fenómeno ser global. Assim, talvez povos mais empenhados e participativos dêem um exemplo que possamos seguir.

19 comentários:

José, o Alfredo disse...

"A minha política é o trabalho" é uma das frases que me ficaram desse fugaz período pós-Abrilada. Marca, provavelmente, o fim desse curto parêntesis de consciência cívica, de poder/dever de cidadania ou seja lá o que for. Com o tal bocadinho de azar que sempre arranja maneira de desfavorecer os timoratos, o contrário do audaces fortuna juvat, aí temos um povo que não quer saber de política e mesmo que queira trabalho não tem.
Nessa altura do parêntesis havia um programa qualquer, num dos dois canais, em que o povo na rua dizia coisas. Uma frase que se tornou recorrente era o "gosto de teatro quando é bom". Agora, que o povo tem muito mais canais e oportunidades para dizer coisas, a frase já não me parece tão troglodita...

L. Rodrigues disse...

A minha avó dizia isso... "A minha política é o trabalho".
Isso não a impedia de saber em quem votar, mas fazia da política uma coisa privada, entre ela e o boletim de voto.

Anónimo disse...

Assim como quem não quer a coisa, podías-me avançar já com o nome dos "povos mais participativos e empenhados" e já agora tambem o local exacto no globo, para eu ir andando para lá?...
Extremamente agradecida.

Um beijinho. Já te disse que gosto mesmo do teu blog?
A.

L. Rodrigues disse...

Os povos são quase todos os da europa mais a norte. Mas não te iludas. Estamos todos no mesmo barco. Se não, continuávamos a tentar ser como os alemães. Mas o que ouvimos dizer é que temos que ser como os indonésios, chineses, indianos. Todos, incluindo os alemães.

Maria Carvalhosa disse...

Já não há esperança na globalização. Temos esta maldita tendência para trazer para a nossa terra o que de pior o global nos pode dar!!! (será esse o nosso fa(r)do?)

L. Rodrigues disse...

Há esperança, se a globalização for completa. Falta globalizar a democracia. (não confundir isto com "espalhar democracia, american style".

José, o Alfredo disse...

Eu ia mais por democratizar a globalização do que por globalizar a democracia. A democracia só vinga se vier de dentro. E a globalização, se fosse literalmente liberal, no sentido de igualdade de oportunidades e livre concorrência entre diferentes, não teria nada de mal. Digo eu...

L. Rodrigues disse...

Concordo. A única maneira de globalizar a democracia é de dentro para fora.
A expressão apenas pretende sublinhar que enquanto o dinheiro se globalizou, as pessoas estão, e estarão, presas à sua lógica nacional, regional, à lingua cultura, etc. Para os povos recuperarem o poder perdido, há algumas ideias a circular, sobre as quais falarei depois, que agora vou ver o Liverpool-Benfica.

José, o Alfredo disse...

E o Sissoko, terá visto o jogo?

L. Rodrigues disse...

Não com bons olhos, de certeza.

Anónimo disse...

Querido Luís!!
Uma visão muito clarividente que eu aplaudo!!
mas para quê falar mal do Rei/Rainha que nos serviu durante 800 anos??
Será que países como a Suécia, Dinamarca, Holanda, Luxemburgo, Bélgica, Noruega..São atrasados porque têm monarquias???
Ahahahahah!!!
Beijocas desta amiga monárquica ferrenha!
Viva o Ri!!
Viva Portugal!!

L. Rodrigues disse...

Que chata mais a treta do rei... Isto não é contra o rei, nem contra os padres, nem contra os senhores doutores. É a respeito da nossa relação com as pessoas que deixamos que tomem decisões por nós.

E, já agora, os nossos reis foram piores do que os outros. Se tivessem contribuido para fazer um povo forte, determinado e empreeendedor, ainda estariam no trono, porque chegada à altura, o povo tê-los-ia defendido. Como acontece nesses países de que falas.

Anónimo disse...

Olha para o lado Luís:

O Rei de Espanha, Afonso XIII foi corrido no início do sec XX.!!
E hoje, eles têm o Juan Carlos e adoram!! E que bom para eles!!
Queres um conselho??
Lê o livro "Um Homem de Causas, Causas de Rei". Uma série de entrevistas ao sr. D. Duarte que foi editada pela D. Quixote!
Depois de leres, conversamos, ok??

beijocas

L. Rodrigues disse...

Não invalida nada do que eu disse, acho eu.

José, o Alfredo disse...

Mesmo quando editado pela D. Quixote, o sr D. Duarte é homem para invalidar muita coisa. E nisso não destoa da esmagadora maioria dos seus antecessores, de todas as dinastias. Tirando o primeiro Afonso, pelo empreendedorismo, o Diniz, o primeiro Manuel e o Pedro quinto, mais um ou dois que me podem estar a escapar de momento, todos os outros são excelentes argumentos a favor da república.

José, o Alfredo disse...

Antecessores talvez não fosse a mot juste...

L. Rodrigues disse...

Pois, os reis não são mais que os outros, logo, há uns bons e outros maus. Poder-se-á adiantar que um rei mau é mais dificil de desalojar que um presidente mau. Já um presidente Mao, dá mais luta.

Anónimo disse...

Ora muito bem...Vamos lá ver se a gente se entende!!! ...
Reis maus?? Oh meninos!! Eu estou a falar de monarquia constituciobbal que contem mecanismos apropriados para "desalojar" um rei que não saiba servir o seu popvo!!..Já a nossa constituição, infelizmente, não permite que possamos escolher entre monarquia e república, pois consagra esta última como "única forma de chefia de Estado".
E , convenhamos, um rei, nã governa!!! _ à excepção do rei da Bulgária que foi eleito 1º ministro!!Eheheheheh:)) Vêem , vêem??
E, já agora, para que nos serve um presidente da República?? Porque temos que pagar reformas ao Eanes, ao Soares e ao Sampaio?? Porque temos que gastar imenso dinheiro em eleições, de 4 em 4 anos, para eleger um tipo e uma tipa que só Têm que representar o Estado Português??..Nem precisam de saber muito de política nem de economia...
Como diz o Sr D. Duarte, um rei é uma bandeira de fato e gravata.
Não precisamos de gajos financiados por partidos para isso...Já agora, alguém votou na República?? Ou ela existe porque o Rei foi assassinado??...
Mais uma vez viva o Rei e Viva Portugal!!
Isabel

José, o Alfredo disse...

Uma das grandes vantagens deste sistema é justamente que esses gajos são financiados pelos partidos deles durante uma boa parte da vida deles. A outra é que só se gasta essa massa toda das eleições de 5 em 5 anos, e não de 4 em 4. E o grande investimento é de 10 em 10, porque o povo, quiçá com saudades da monarquia, não resiste a uma bela reeleiçãozinha, transformando-a num plebiscito, que sai muito mais barato.