Dei por mim a pensar que uma das maiores transformações das sociedades modernas é a acontecida na nossa relação com o tempo. Não pretendo com isso ser original. Neste mesmo blog já tinha citado Esther Dyson quando referia que “cada vez vivemos mais tempo, mas pensamos mais a curto prazo”.
Mas não é apenas este paradoxo, que nos faz ter vidas longas mas medidas ao segundo, que me perturba. Mais que isso acho que estamos a assistir a uma aceleração absurdamente desumanizante.
É a economia e o imperativo do crescimento, que nos obriga a fazer mais em menos tempo, primeiro, e depois a fazê-lo durante mais tempo. É o trabalho à velocidade da cocaína. É a obsessão por resultados rápidos, viagens rápidas, prazeres rápidos. E é a rapidez a que os estímulos nos chegam de todo o lado.
E alguns assumem que é assim mesmo: dar tudo agora, ter sucesso, para depois comprar uma casa no Alentejo e plantar porcos, ou arranjar uma casinha no Nordeste do Brasil e fazer o que se faz em casinhas no Nordeste do Brasil. E os outros todos têm que andar à velocidade desses ou são considerados obsoletos e para esses nem uma reforma aos 70 anos.
Nesta velocidade vertiginosa, não há tempo para fazer bem, apenas para fazer muito. Não há tempo para agir, apenas para reagir. Não há tempo para reflectir. E para “descansar” procuram-se emoções fortes, adrenalina, coisas rápidas de preferência.
Venderam-nos a ideia de que temos que ser competitivos. Como um Fórmula 1. Só não nos explicam que o nosso papel é o dos pneus, que nunca chegam a ver o fim da corrida.
Mas as pessoas não foram feitas para isto. Precisam de tempo para crescer, tempo para encontrar um amor, tempo para o saborear, tempo para ter uma família, tempo para ter amigos.
O resultado de não se dar tempo a estas coisas está aí… nas estatísticas das doenças mentais, no consumo de anti-depressivos e de religiões instantâneas, na infelicidade mascarada de prazer curto, e também na violência que desperta aqui e ali em pessoas que até esse momento eram como nós.
Tempo é dinheiro? Se sim, estamos a ser roubados e com bastante descaramento.
O nosso tempo é a nossa vida. Peço desculpa se com a leitura deste post desperdicei um pouco da sua.
Ah, e isto não é um Carpe Diem. Um dia não é nada.
Mania das pressas…
12 comentários:
Isto foge um pouco ao que costuma ser a "linha editorial" cá da casa, mas paciência... sou humano...
paciência l. rodrigues ? qual quê!
Do melhor que tenho lido .. parabéns!
E quanto à linha editorial .. haja tempo para escrever destas coisas é o que lhe desejo.
E eu, que me apetecia imenso alongar-me por aqui estou reduzida e sem tempo para mais .. (raios!)
:)
"O nosso tempo é a nossa vida." - uma evidência que, de tão evidente, corre o risco de se desvanecer. Nunca é demais relembrar. Gostei muito deste teu post. Gosto sempre de ler os teus escritos, mesmo não concordando com algumas coisas, mas deste gostei especialmente (demasiadas vezes me vejo presa dessa vertigem de que falas).
Ando a matutar num post ecuménico ou talvez não que é capaz de te interessar, assim eu tenha o tempo e a inspiração.
Tem que ver com uma coisa que vi escrita por alguém que creio tem convicções muito parecidas com as tuas. Desabafava ele: "Se houvesse mais cristãos não era preciso haver "socialistas"."
Achei muito curioso...
Muito bom :)
Bem aparecido, JV.
Tenho a dizer-te que com este texto pescaste mais um leitor. Venho aqui pela primeirissima vez e, quer fuja ou não à linha editorial do blog, sim senhor, ecoa muito do que eu, também humana (vá, pelo menos de vez em quando)trago zumbindo nos ouvidos.
Limopoca
Muito bem vinda.
"They say that time presses, but time doesn't press,
It's just a figure of motion and emotional unrest,
It's a matter of seing and of being seen...
As far as I'm concerned time is the state of my jeans."
Tom Barman
Belo texto caro Luís. Um texto com o qual tenho uma afinidade especial. É que descobri tarde que o meu tempo é a minha vida. Mas antes tarde que nunca. É que vou descobrindo, dia após dia, que ainda tenho muito tempo para fazer as coisas para que as pessoas foram feitas. Um grande abraço.
Mike,
Pois...
Da razão por que chronos e kairos no são um mesmo tempo;
Da agressividade temporal, ou da pressa de chegar a poucochinho...
Sem publicidades (no way!), apenas como uma espécie de shake hands empático:
http://camuflagens.blogspot.com/2006/11/kairos-ii.html
http://camuflagens.blogspot.com/2006/05/semforo_30.html
Fica por troca desta leitura, que acompanhei com gosto! :-)
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