Recentemente no meio de uma complicação de paleio político e juridico, saiu um parecer da Organização Mundial do Comércio (OMC) a condenar a União Europeia por práticas consideradas ilícitas no impedimento do comércio de comida e plantas geneticamente modificadas.
As razões invocadas pela UE são de saúde publica, cimentadas na regra da prudência. Não se sabendo o suficiente sobre as consequências para a saúde humana, manda a prudência que se espere. Há um ramo de acordos da OMC chamados Medidas Sanitárias e Fitosanitárias que "regulamenta" o comércio de alimentos e plantas, e a UE, ao manter o boicote a estes produtos estará a ir contra essas medidas que servem, ao contrário do que o nome sugere, para evitar que politicas nacionais de saúde se sobreponham aos interesses do comércio. Só por isto, já valia a pena alargar o boicote, digo eu.
O ataque à posição europeia começou em 2003 com uma acusação formal do governo dos Estados Unidos, reclamando que a recusa Europeia era causadora de fome em África.
A lógica era que ao lançar suspeita sobre a sanidade destes produtos, a Europa levava governos africanos a recusar ajuda Americana na forma de cereais modidficados, causando assim fomes desnecessárias.
Mas o que está por trás deste braço de ferro?
Por um lado há o argumento de saúde: independentemente de serem de facto perigosos ou não, o que a OMC fez com a sua politica de comércio agrícola foi inverter o ónus da garantia de segurança de um produto agro-alimentar. Em vez de ser o produtor a provar que um produto é inofensivo, são os consumidores que têm que provar que ele faz mal. Imaginem se a industria farmacêutica assumisse em pleno esta prática...
Mas por outro, e quanto a mim bem mais importante e gravoso, há uma tentativa de instituir monopólios mundiais sobre a produção de comida. O Acordo Agrícola da OMC, em nome do "mercado livre" obrigou os países mais pobres a levantar tarifas e quotas de importação de produtos agrícolas (medidas que se destinava a proteger as suas vulneráveis agriculturas locais).
Ao mesmo tempo, o governo dos EUA concedia subsídios na ordem dos 80 biliões de dólares à sua própria agro-indústria . Mercados livre... pois claro...
O efeito líquido foi 5 gigantes americanos inundarem os mercados agricolas mundiais mais vulneráveis e arruinarem milhares de famílias que viviam da terra.
Uma forma de actuar que considero especialmente perversa é ilustrada pela Monsanto, multinacional produtora de sementes modificadas: produzem cereais "Round-up ready", cereais resistentes ao pesticida Round-up, vendem o que parece uma solução prática aos agricultores, mas a venda é válida apenas para uma colheita. A prática ancestral da agricultura humana de selecção de grãos de uma colheita para semear no ano seguinte é interdita por contrato.
Claro que os contratos quebram-se. Por isso a Monsanto foi mais longe e concebeu uma variante destas sementes que gera plantas estéreis. Ou seja, impede fisicamente a reprodução da colheita para lá desse ano. Chamam-lhes "Genes Terminator". Não para terminar com a fome certamente.
Pessoalmente considero abomináveis as implicações do que significa proteger desta forma uma patente genética. Basta-me imaginar uma terapia de substituição aplicada num feto humano. Em substância, pelos mesmos critérios, a que distancia estamos de esta ou aquela empresa se reclamar dona dos nossos genes?
Muitas e inquietantes informações e artigos sobre este assunto (num dos quais este texto se baseia, com mais uns pozinhos de outros lados) podem ser
encontrados aqui.