O estudo que referi no texto publicado no Corta-fitas continha o seguinte parágrafo relativo aos seus pressupostos e conclusões.
Perante sinais de iniquidade, surge a insatisfação, desanimo, revolta, fúria, toda uma gama de sentimentos e sinais que nas sociedades originais serviria para colocar em cheque os elementos “abusadores”, gerando culpa, arrependimento, medo etc. Numa empresa moderna a suprema distância entre accionista e trabalhador impede esse regulador social natural que é o confronto de emoções. É assim que é tão fácil instalar-se a pouca vergonha.
Por essa Europa fora levantam-se vozes questionando a iniquidade dos rendimentos de gestores, que mantendo os seus trabalhadores com salários congelados anos a fio, não hesitam em aumentar-se regularmente e compensar-se com chorudos bónus, e ainda dar-se as mais chorudas compensações quando são despedidos mesmo que por incompetência.
Ninguém diz que quem está no topo não deva receber mais do que os que estão na base de uma hierarquia de responsabilidades, (e assumo aqui que o investimento pessoal de um operário não é necessariamente diferente do de um gestor) mas dificilmente se justifica que as coisas corram tão mal para uns quando correm tão bem para outros.
Não faltam as vozes que dizem que ninguém tem nada com isso, cada empresa sabe de si. Alguns ainda concedem que é bom ver o que se passa, porque se está a defraudar o accionista. E ficam-se por aí.
Mas será realmente comparável o esforço de um accionista que dedica 10 minutos por semana a gerir a sua carteira de investimentos ao do operário que entrega toda uma vida ao seu trabalho? A mim parece-me que não.
O patrão da Porsche está comigo. Os macacos capuchinhos, apostaria que também.
4 comentários:
O melhor de tudo é que, quando chega a altura em que a coisa corre mesmo mal, não é só o patrão da Porsche e uns quantos macacos que estão contigo. Quando a coisa dá mesmo para o torto, as tais distâncias desaparecem e os números que contam são outros: milhões e milhões de injustiçados enfurecidos lançando-se animalescamente sobre umas centenas de exploradores subitamente despojados da sua superioridade, real ou percebida. Uma barbaridade.
Pois. Como dizia William Blum, nos seus votos de feliz natal em 2005:
"May you re-discover what the poor in 18th century France discovered, that rich people's heads could be mechanically separated from their shoulders if they wouldn't listen to reason."
Ah, l., esse William Blum tinha humor, o pirata... Olha eu estou com o patrão da Porsche, e desta vez pelos mesmos motivos que ele está contigo.
Plenamente de acordo... não há muito mais escondido por detrás dos cromossomas símios. Os nossos são quase iguais no essencial (ainda há quem se ofenda com isso).
O egoísmo, o altruísmo, a ambição, a paixão, etc, são sentimentos universais a todos os seres humanos e, aparecem em muitas outras espécies, sobretudo mamíferos sociais (símios, canídeos, golfinhos, orcas), por isso, muito dificilmente "apareceram" connosco, humanos. O assunto requereria um texto mais detalhado... ficará para outra altura.
Para ser mais breve, deixo-lhe outro exemplo de "situação / experiência" onde as mais íntimas motivações humanas são reveladas cruamente:
Se a reprodução tem sido a recompensa e o objectivo do poder e da riqueza, então não surpreende que, frequentemente, também tenha sido a causa, e a recompensa, da violência. Considere o caso dos habitantes das ilhas Pitcaim. Em 1790, nove amotinados do navio HMS Bounty atracaram em Pitcaim com seis homens e treze mulheres polinésios. A milhares de Km da habitação mais próxima, sem conhecimento do resto do mundo, começaram a construir uma vida na pequena ilha. Reparemos no desequilíbrio: 15 homens e 13 mulheres. Quando a colónia foi descoberta, dezoito anos mais tarde, tinham sobrevivido 10 mulheres e apenas 1 dos homens. Dos outros homens, um tinha-se suicidado, um tinha morrido de causas naturais e 12 tinham sido assassinados.
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