24 julho, 2006

A importância dos extremos

De há uns tempos para cá fui assaltado pela impressão de estar a ficar mais “de esquerda”. Essa impressão perturbou-me um pouco, porque na realidade acho que sempre pensei mais ou menos da mesma maneira, não dei por passar por grandes transformações pessoais ou estar exposto a especiais formas de doutrinação politica. Uma observação mais atenta do mundo à minha volta fez-me perceber o que se passava. Não era eu que estava mais para a esquerda, mas sim o mundo que está mais para a direita.

Existem, claro, as legítimas questões sobre a pertinência de limitar o espectro das ideias a uma dimensão apenas. Um eixo que vai da mão do garfo para a da faca, daqui para ali. Mas acho que quando se fala de politica económica, que acaba por ser onde são expressas as visões que os políticos (em princípio, eleitos por nós) têm do que deve ser o estado e a organização da sociedade, essa distinção ainda é pertinente.

A queda do muro de Berlim e da União Soviética foram saudadas como um grande passo em frente na história. E como o fim de um equívoco politico que ameaçou durante décadas a paz mundial. Acabava finalmente a guerra fria, o mundo deixava de viver sob a permanente ameaça de uma guerra atómica de que ninguém sairia vivo, e para muitos ficava demonstrado que as utopias não passam disso.

Não pretendo por um momento que aqueles regimes estavam certos e não acredito no comunismo e na sua visão simplista das sociedades, em que apenas há os trabalhadores e os outros. Mas a verdade é que se perdeu algo. Perdeu-se o contraponto. Perdeu-se uma referência. Uma força de equilíbrio.

Muitas das conquistas de qualidade de vida das sociedades industrializadas, a emergência de uma classe média que trabalhava na industria, foram fruto directa ou indirectamente da existência do “perigo vermelho”. Nos Estados Unidos, por exemplo, inúmeras concessões foram feitas pelos patrões da industria no sentido de garantir que entre os seus empregados não germinavam essas ideias.

O Ocidente tinha que garantir que os seus cidadãos eram mais ricos, mais instruídos, mais felizes do que os do outro lado, provando assim a superioridade da sua ideologia.

Hoje o Ocidente acha que não tem que provar nada, e que a história lhe deu razão.

Quem tem bastante noção da importância de incluir no discurso público ideias radicais são os Think Tanks republicanos, nos EUA, mais uma vez. Recentemente passou-me pela frente dos olhos um enunciado de como a direita americana age para promover as suas ideias. É uma metodologia simples, clara e precisa denominada “Overton Window of political possibilities.”. Parte do pressuposto de que os promotores de ideias confrontam-se sempre com um determinado clima politico.

Imaginemos em abstracto uma qualquer causa politica (educação, aborto, defesa, não interessa). Para essa causa, há um espectro de ideias que vai de um extremo a outro. Do mais à direita ao mais à esquerda se quisermos. A Janela de Overton é o leque de ideias “aceitáveis”. Um politico está sempre constrangido pela realidade dos seus constituintes. Mais importante do que as suas próprias ideias, são as ideias que os seus votantes consideram razoáveis. Fora desse grupo de ideias, é impossível passar legislação, promover iniciativas, sem enfrentar uma forte oposição popular e perder eleições...

Assim quando um “Think tank” tem que promover uma ideia que está fora do que a opinião pública considera razoável, a sua função é puxar a janela na sua direcção. Assim, através da sua acção nos media, vai introduzindo no discurso publico ideias consideradas radicais, impossíveis de implementar, ao principio. Mas que com a exposição do publico a essas ideias, o que era inaceitável passa a ser contemplável, e o que era aceite pode até passar a ser rejeitado.

Quase parece senso comum. Mas explica porque uma série de ideias, nomeadamente sobre o papel do estado na vida publica, de repente parecem tabus, enquanto cada vez mais o individualismo e o privado prevalecem, em detrimento do solidário e do colectivo.

Por isso se me virem com uma t-shirt do Che-Guevara, não quer dizer que eu subscreva tudo o que ele defendia, sou apenas eu a tentar equilibrar a balança.

20 comentários:

Fatima disse...

A mim, se me vires a dormir, não estranhes...
- Dormir o dia todo (impensável);
- Deixar de trabalhar para poder dormir (radical);
- Trabalhar menos para poder dormir mais (aceitável);
- Dormir por necessidade (“sensibilizante");
- Dormir faz bem à saúde (popular);
- Dormir, pelo menos, 10 horas por dia (lei).

L. Rodrigues disse...

Mas fez assim tanto sono este post?

Fatima disse...

Não!!! Eu é que sou um "cu de sono"..

João Villalobos disse...

Quem é queres enganar? Tu sempre foste de esquerda, rapaz. Se isto é um pretexto para usar a T-shirt, por mim estás à vontade. Podia era ser algo mais original... ;)

L. Rodrigues disse...

Não a tenho, por isso estou bem a tempo de surpreender.

Paulo Cunha Porto disse...

Meu Caro L.Rodrigues:
Eu não vivo o mesmo problema, porque sempre vi no liberalismo - no político como no económico - o inimigo que atrofia as relações humanas; e no comunismo um filhote desajeitado que roubava para limpar a honra do pai, posta em perigo pela assinatura de cheques sem cobertura.
Por isso convido-o: vamos os dois comprar umas "t-shirts" com uma imagem do Senhor D. Miguel.

L. Rodrigues disse...

Caro paulo,
Explique a um designorante de ciência política como é que o absolutismo é em si um sistema político e não um exacerbar de personalidades, sujeito aos caprichos da genética. Parece-me, por definição, desprovido de ideologia ou propósito. O estado é ele? Então e nós?

Maria Carvalhosa disse...

... ou o "Designorado" na sua melhor forma: provocativo, desconcertante... enfim, igual a si próprio.

Já tinha saudades de um texto assim.

Beijos.

L. Rodrigues disse...

Obrigado Maria. Fica a impressão de que tenho andado abaixo do padrão :) Tentarei melhorar.

Maria Carvalhosa disse...

Não era essa a minha intenção, Luís. Quem sou eu para estabelecer padrões? Apenas quis que soubesses que gosto do "todo" que puseste neste texto. Opções pessoais, nada mais do que isso.

Beijo.

Paulo Cunha Porto disse...

Meu Caro L.Rodrigues:
condeno igualmente o absolutismo e a identificação com o Estado, seja pelo Portador da Coroa seja pela partidocracia. A "minha" Monarquia é a orgânica, descentralizada e limitada pelos estratos, grémios e municípios, que existiu antes do poder absoluto e, como teorização, depois dele.
Abraço.

Vasco Pontes disse...

... Olá L. Rodrigues,
Encomenda duas (t-shirts, digo eu). Talvez iniciemos uma moda e se comece a mudar o paradigma.
Abraço

Vasco Pontes disse...

... especifico: do Che :)

A disse...

Posso levar a minha blusa apenas?
Posso bordar-lhe "Eu sou Romântica do pré - Absolutismo...Join me!"
Gostei muito novamente, de volta ao LR puro sem gelo.
Beijos meus.

joshua disse...

Vamos lá a reactivar isto, homem.

O Che, o Che... Que tal uma t-shirt do Chá?

Chá de tília ou cidreira para acalmar uns olhos que só vêem sofisticação e pedanteria sob a forma de lençol? Oh, o raciocínio, privilégio dos que não passam fome! Oh, análises (sobre as quais as mulheres babam) dos que não têm calos das mãos!!!

Parabéns pelo blog.

L. Rodrigues disse...

Obrigado, suponho. :)
Não está morto, está apenas calor...

L. Rodrigues disse...

E já agora, não será o raciocínio uma obrigação de quem não tem fome, e não um privilégio?

Anónimo disse...

Infelizmente, caro amigo, o mundo não está nem para a direita nem para a esquerda. Está para o centro, o centro do próprio umbigo...

L. Rodrigues disse...

é outra maneira de resumir a coisa, sem dúvida

Anónimo disse...

Meu caro Luís, alguém perguntou quem querias enganar... De certo não tu próprio. Tu sempre foste de esquerda. De uma esquerda saudável, aberta, liberal. E é normal. A "esquerda", como a conhecemos, é mais instruída, mais culta. E tu aprecias isso. Tu és assim. Mas não te iludas: a esquerda e a direita são coisas do passado. Há princípios com os quais, que por questões de natureza ou educação, nos identificamos mais. Mas identificá-los ou enquadrá-los num âmbito político é que acho um excesso. A História tem os seus ciclos e as pessoas e as sociedades são soberanas para mais tarde ou mais cedo, serem as locomotivas desses ciclos. Se tudo fizeram para derrubarem os ditos "muros de Berlim" e ainda pouco fizeram para mudar o capitalismo moderno, convenhamos que deverá haver as suas razões... Não se pode ter tudo meu caro, ou não estaríamos aqui livremente a expressar a nossa opinião no teu delicioso blog. E olha, em vez de duas, encomenda três t-shirts do Che. Não pelas mesmas razões que evocas, apenas porque são giras e nunca saem de moda. Mas estamos a falar daquelas com a célebre foto do Che, certo?