13 março, 2024

Republicado para ver se engano o facebook..

A importância dos Extremos
Julho de 2006.

 De há uns tempos para cá fui assaltado pela impressão de estar a ficar mais “de esquerda”. Essa impressão perturbou-me um pouco, porque na realidade acho que sempre pensei mais ou menos da mesma maneira, não dei por passar por grandes transformações pessoais ou estar exposto a especiais formas de doutrinação politica. Uma observação mais atenta do mundo à minha volta fez-me perceber o que se passava. Não era eu que estava mais para a esquerda, mas sim o mundo que está mais para a direita.


Existem, claro, as legítimas questões sobre a pertinência de limitar o espectro das ideias a uma dimensão apenas. Um eixo que vai da mão do garfo para a da faca, daqui para ali. Mas acho que quando se fala de politica económica, que acaba por ser onde são expressas as visões que os políticos (em princípio, eleitos por nós) têm do que deve ser o estado e a organização da sociedade, essa distinção ainda é pertinente.

A queda do muro de Berlim e da União Soviética foram saudadas como um grande passo em frente na história. E como o fim de um equívoco politico que ameaçou durante décadas a paz mundial. Acabava finalmente a guerra fria, o mundo deixava de viver sob a permanente ameaça de uma guerra atómica de que ninguém sairia vivo, e para muitos ficava demonstrado que as utopias não passam disso.

Não pretendo por um momento que aqueles regimes estavam certos e não acredito no comunismo e na sua visão simplista das sociedades, em que apenas há os trabalhadores e os outros. Mas a verdade é que se perdeu algo. Perdeu-se o contraponto. Perdeu-se uma referência. Uma força de equilíbrio.

Muitas das conquistas de qualidade de vida das sociedades industrializadas, a emergência de uma classe média que trabalhava na industria, foram fruto directa ou indirectamente da existência do “perigo vermelho”. Nos Estados Unidos, por exemplo, inúmeras concessões foram feitas pelos patrões da industria no sentido de garantir que entre os seus empregados não germinavam essas ideias.

O Ocidente tinha que garantir que os seus cidadãos eram mais ricos, mais instruídos, mais felizes do que os do outro lado, provando assim a superioridade da sua ideologia.

Hoje o Ocidente acha que não tem que provar nada, e que a história lhe deu razão.

Quem tem bastante noção da importância de incluir no discurso público ideias radicais são os Think Tanks republicanos, nos EUA, mais uma vez. Recentemente passou-me pela frente dos olhos um enunciado de como a direita americana age para promover as suas ideias. É uma metodologia simples, clara e precisa denominada “Overton Window of political possibilities.”. Parte do pressuposto de que os promotores de ideias confrontam-se sempre com um determinado clima politico.

Imaginemos em abstracto uma qualquer causa politica (educação, aborto, defesa, não interessa). Para essa causa, há um espectro de ideias que vai de um extremo a outro. Do mais à direita ao mais à esquerda se quisermos. A Janela de Overton é o leque de ideias “aceitáveis”. Um politico está sempre constrangido pela realidade dos seus constituintes. Mais importante do que as suas próprias ideias, são as ideias que os seus votantes consideram razoáveis. Fora desse grupo de ideias, é impossível passar legislação, promover iniciativas, sem enfrentar uma forte oposição popular e perder eleições...

Assim quando um “Think tank” tem que promover uma ideia que está fora do que a opinião pública considera razoável, a sua função é puxar a janela na sua direcção. Assim, através da sua acção nos media, vai introduzindo no discurso publico ideias consideradas radicais, impossíveis de implementar, ao principio. Mas que com a exposição do publico a essas ideias, o que era inaceitável passa a ser contemplável, e o que era aceite pode até passar a ser rejeitado.

Quase parece senso comum. Mas explica porque uma série de ideias, nomeadamente sobre o papel do estado na vida publica, de repente parecem tabus, enquanto cada vez mais o individualismo e o privado prevalecem, em detrimento do solidário e do colectivo.

Por isso se me virem com uma t-shirt do Che-Guevara, não quer dizer que eu subscreva tudo o que ele defendia, sou apenas eu a tentar equilibrar a balança.

07 setembro, 2010

Semi acordado...

Não sei se era ele que escrevia os discursos, mas que subscrevia as ideias era certo.
E por isso tiro o chapéu a Robert Kennedy:

Excerto do discurso no Labour Day de há 42 anos, citado pelo congressista Alan Grayson, que acrescenta umas palavras da sua lavra:

Here is what Robert Kennedy had to say on Labor Day, 42 years ago:

"Too much and too long, we seem to have surrendered community excellence and community values in the mere accumulation of material things. Our gross national product ... if we should judge America by that - counts air pollution and cigarette advertising, and ambulances to clear our highways of carnage.

"It counts special locks for our doors and the jails for those who break them. It counts the destruction of our redwoods and the loss of our natural wonder in chaotic sprawl. It counts napalm and the cost of a nuclear warhead, and armored cars for police who fight riots in our streets. It counts Whitman's rifle and Speck's knife, and the television programs which glorify violence in order to sell toys to our children.

"Yet the gross national product does not allow for the health of our children, the quality of their education, or the joy of their play. It does not include the beauty of our poetry or the strength of our marriages; the intelligence of our public debate or the integrity of our public officials. It measures neither our wit nor our courage; neither our wisdom nor our learning; neither our compassion nor our devotion to our country; it measures everything, in short, except that which makes life worthwhile. And it tells us everything about America except why we are proud that we are Americans."

When Robert Kennedy said these words, the unemployment rate in America was 3.7%. Today, it is almost three times as high. Too many of our working brothers and sisters are out of work, thanks to over a decade of economic mismanagement. 10% of us are unemployed, and the other 90% work like dogs to try to avoid joining them. Which is just what the bosses want.


Tirado daqui:

Happy Fuckin' Labor Day!


16 junho, 2010

Da caixa de comentários, com agradecimentos ao Wyrm


"É difícil encontrar debate sério nos dias de hoje. Por debate sério refiro-me àquele onde assumimos as contradições da barricada que defendemos e tentamos encontrar plataformas de entendimento ao invés de fazer prevalecer pontos de vista.

No entanto é que quando olhamos para movimentos como os "tea baggers" nos EUA ou os liberais-económicos na Europa constatamos que dali não há debate nem seriedade. Mas estão a ganhar. Gritam, insinuam, insultam e mentem. Chamam "comunista" a quem tenta argumentar que um Serviço Nacional de Saúde é um mínimo exigível para uma sociedade supostamente civilizada; gritam "engenharia social" sempre que se fala do Sistema Nacional de Educação (quem conhecer programas de algumas escolas privadas até se ri com esta); chamam racista a todos aqueles que critiquem (sobretudo se for através de sólida argumentação) as politicas do governo de Israel...

Sinceramente tenho pena de viver nestes anos. Passe o pessimismo acho que o fim da sociedade justa que um dia pareceu possível está a morrer e estamos a assistir ao advento da governação corporativa.

E entre as massas de apáticos alguns tentam resistir mas muitos mais estão a esforçar-se para serem dignos das migalhas que caem da mesa.

Eles andam em todo o lado, assumem-se como vitimas, dizem lutar contra o socialismo confundindo-o propositadamente com "estado social", lutam por todas e quaisquer políticas que "criem valor para o accionista" e ignoram os que sofrem fazendo tudo para não se tornarem nuns destes. Tudo! Sem alma, sem princípios. E os donos já nem precisam de ordenar.

Fingem-se insurgentes, sugerem-se perseguidos pelas suas opiniões, fazem fitas por um lugar na ceia, fingem lutar contra um poder tenebroso... Mas os seus argumentos são os mesmos: o conservadorismo bacoco que visa impedir o progresso das mentalidades e o desmoronar de todas as conquistas europeias em prole do afamado "valor para o accionista".

Já há muito que estão no poder. Agora apenas agitam espantalhos vermelhos de modo a desmantelar as ultimas estruturas que nos separam da barbárie social.

E os resistentes? Onde estão? Preocupados em pagar a renda e dar de comer aos filhos... E tudo ficará pior, terrivelmente pior até ao ponto em que percamos o medo de dizer basta.

Desculpe o lençol de texto... Espero que não o desconsidere pois eu nem blog tenho...
Wyrm




15 junho, 2010

Concordar com um Estalinista


A propósito da polémica da treta referida abaixo, fui desqualificado por me colocar ao lado de um Estalinista.

Eu sou muito bem capaz de concordar com um Estalinista, com um Skinhead e com um Taliban, e até com alguém que seja tudo isso ao mesmo tempo se o assunto for, por exemplo, que o David Luís devia ficar no Benfica.

14 junho, 2010

O Holocáustico

O recente ataque de Israel à frota de activistas que tentou furar o bloqueio imposto por aquele país à faixa de Gaza, veio inflamar o debate da blogosfera. Há de tudo, nesta discussão. Desde as posições mais extremadas de um lado e de outro, até moderados conciliadores que tentam não queimar as ténues pontes de diálogo que apesar de tudo teimam em persistir.

Eu sou dos que anseiam por uma paz naquela região que respeite a dignidade de todos os envolvidos, e que não seja refém de orgulhos nacionalistas, de leituras parciais da história, ou de factos aparentemente consumados.

Calhou-me comentar num blogue, que costumo ler pelas mais diversas razões, uma destas polémicas. Dali nasceu a necessidade deste texto. Ao que parece, um comentador que não mantenha um blogue imaculada e pontualmente actualizado, vê os seus comentários passarem para a segunda ou terceira divisão. A do bitaite.

Teoricamente isso tem como consequência não merecer uma resposta em termos do comentado, mas apenas uma boca lateral. Na prática, não é bem assim. Afinal, na mesma caixa de comentários, um qualificado bloguista, com muito mais protagonismo e até responsabilidade do que este quase anónimo escriba, não teve melhor sorte em obter uma reacção coerente às suas críticas e argumentos.

Quando no blogue 5 Dias alguém questionava (com uma veemência e um estilo que lhe é peculiar) o Direito (no sentido juridico) fazendo uma crítica de carácter político à existência e conduta do estado de Israel, no outro lado foi imediatamente acusado de "odiar judeus".

Não era nada comigo, mas a desonestidade intelectual é uma coisa que me encanita à partida, e me deixa especialmente intrigado quando a detecto em pessoas que tenho por inteligentes, informadas e com uma certa mundivivência. Pelo que manifestei a minha repulsa pelo qualificativo.

Esta polémica estava destinada a um segundo round. O primeiro autor não se ficou, e apelidou quem faz aquele tipo de ilações de "filho da puta". Coisa que como é bom de ver não caiu bem no segundo... que enfiou o barrete até às orelhas e pegou de caras.

Neste caso eu voltei a colocar-me ao lado do primeiro: Não chamaria isso a alguém, à partida. Mas se me chamarem racista para desviar a atenção da questão essencial, considero isso um insulto, e portanto susceptível de ser respondido com outro. (Nestas coisas acho que devemos sempre deixar os adversários escolher as armas do duelo).

Mas tudo isto é espuma dos dias e de algumas bocas.

O que me ficou aqui a ruminar foi outra questão que emergiu por ali e que é recorrente sempre que se fala de Israel.
Quando se menciona que Israel está a adoptar atitudes e métodos que lembram aqueles mesmos de que o povo Judeu foi vitima na Segunda Guerra Mundial, surge de imediato o protesto "É Incomparável". E termina ali a conversa.

E assim, nunca se chega a falar da vida dos Palestinianos. Dir-se-ia que estão a pagar pelo crime dos Nazis, e como esse foi o mais hediondo que a História nos lembra, só se Israel começar a gasear Palestinianos em casamatas é que o pessoal começa a ficar incomodado. "Oh pá... isso assim também já começa a ser chato..."

E para quem vier a correr lembrar os atentados suicidas e os rockets, que vitimam israelitas inocentes, a minha resposta é que essas coisas nunca deviam ter acontecido. Nunca.
Mas para isso era preciso que o que lhe deu origem também não. De um lado está uma potência nuclear, com um dos exércitos mais bem equipados e treinados do mundo, e do outro um punhado de despojados, que acabam por servir de carne para canhão num conflito maior pelo controlo do Médio Oriente.

Num conflito tão assimétrico, uns atacam como querem, outros defendem-se como podem. Nesta guerra, a racionalidade impregnada de empatia foi a primeira vitima. E já morreu há muito tempo.

19 maio, 2010

O problema

Tal como é colocado por Paul Krugman, economista, americano, insuspeito de militar nas esquerdas radicais da Velha Europa, o problema que vivemos hoje é endógeno ao Euro.

Quando foi desenhado, foi-o no pressuposto de que os países aderentes constituiriam "Àrea monetária óptima" e o debate então versava precisamente sobre se haveria forma de ajustamento face a choques assimétricos. Ou seja, em que alguns países são mais afectados do que os outros.

Quando cada país tem a sua moeda, uma das formas de lidar com a situação consiste em desvalorizar. Na ausência deste mecanismo, a única variável de ajustamentosão os salários, baixando-os.
Acontece que isso não se pode fazer de forma arbitrária. Segundo Krugman, seria necessário um abaixamento de salários na ordem dos 20-30% em relação à Alemanha, para países como Portugal, Grécia, Letónia, Espanha, etc.

Let me repeat that:

WAGES IN THE PERIPHERY NEED TO FALL 20-30 PERCENT RELATIVE TO GERMANY.

(...)

Na Letónia, onde foram implementadas medidas drásticas e o desemprego já passa os 20%, os salários baixaram pouco mais de 5%. Quantos será preciso atirar para a rua, sem futuro à vista, para atingir os tais 20-30%?

O Euro precisa de ser reformulado para se manter em existência. O custo social de nos mantermos no Euro com esta configuração pode tornar-se incomportável, e colocar em causa a própria democracia, porque numa democracia dificilmente é possivel implementar as politicas que apaziguam os mercados financeiros, mas claramente não servem as pessoas ou a economia real.

18 maio, 2010

Nós e os Eles

Suponho que seja um dilema mais ou menos constante para quem pensa nestas coisas (o estado do país, da sociedade, da Europa, do Mundo). Onde é que podemos deixar de dizer e assumir que temos culpa, responsabilidade, e passamos a apontar o dedo aos "outros". Os proverbiais "eles" das conversas de café.

É inegável que há uma dimensão colectiva nas nossas existências. Nós, enquanto país, nação, povo, temos tido dificuldade em encontrar formas de assegurar minimos decentes de sanidade política, social e económica. Mas quando debatemos estes assuntos, com frequência atribuímos a culpa dessa incapacidade a "eles". "Eles" são os que detêm o poder político e económico, os que detêm a capacidade de fazer, decidir, agir a níveis que afectam muitos, ou todos.

É culpa nossa, em boa medida, que "eles" exerçam esse poder de forma distorcida, discricionária, para provento de poucos, à custa de todos. É culpa nossa, porque "Eles" não o fariam dessa forma se não o pudessem fazer com a impunidade que a nossa complacência, resignação e em certa medida cumplicidade lhes permite.


Hoje de manhã ouvia a eurodeputada Ana Gomes falar sobre a Grécia. Lá vive-se um enorme tumulto social e político. A voz oficial dos media diz: Os Gregos andaram a viver acima das suas possibilidades e, ainda mais, aldrabaram as contas que tinham que prestar ao Euro: ou seja, foram gastadores e fraudulentos.

Neste caso, o "Nós" grego está condenado a uma sessão pública de auto flagelação pelos seus pecados por muito e maus anos.

Mas nesta história também há "Eles" gregos. Os gastos excessivos do governo grego têm correlação com contratos multimilionários feitos com recurso a luvas, corrupções diversas e compadrios múltiplos. Quem envolvem equipamentos para os Jogos Olímpicos, material militar diverso, etc etc.

"Eles" são todos os decisores que traíram a confiança do povo grego, abusando das suas posições para fazer negócios ruinosos para provento próprio. (Não sei como é na Grécia, mas cá todos sabemos de que tipo de pessoas falamos e é vê-los a saltar de partidos para empresas e vice-versa).

Mas "Eles" também são os decisores alemães. Que do outro lado da mesa de um corrupto, há um corruptor. E muitos daqueles contratos multimilionários foram feitos com empresas alemãs, que estão sob investigação na Alemanha.

A Alemanha, no entanto, pela voz dos seus dirigentes trata a Grécia como uma espécie de indigentes terceiro mundistas que não se soube governar, mesmo com estes processos a decorrer internamente.



"Nós", temos uma responsabilidade individual, mas a maior parte de "Nós" pode quando muito dar um bom exemplo a meia dúzia de pessoas, ajudar de forma solidária mais umas quantas, podemos ser honestos e exigir honestidade em nossa volta. Mas o nosso poder de exigir esbarra frequentemente muito perto, por vezes logo nas relações de trabalho, por exemplo.

Logo aí, se calharmos a ter azar com o superior ou o patrão, já somos reféns da nossa própria subsistência. Se de nós dependem outros então a vulnerabilidade é ainda maior. E logo aí há uma relação de poder assimétrica. "Ele" põe e dispõe.

Apontar o dedo a "Eles" não é descartar a nossa propria responsabilidade, não é uma desculpa nem um acto de resignação. Provavelmente, é a única forma numa sociedade democrática e funcional de colocá-"los" em cheque. De "Os" lembrar de que o poder que têm e que tão mal usam lhes pode ser tirado se abusarem, se esticarem a corda e se insistirem em ser indiferentes às consequências dos seus actos.

A insistência na responsabilidade individual, em que cada um tem que cuidar de si e só de si, é o alibi que "eles" usam e que mais lhes convém.

É afinal é o truque mais velho do mundo: dividir para reinar.